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A mão de Fidel era quente e macia<br />

As meias brancas em tristes sapatos pretos em tornozelos grossos e brancos<br />

foram a primeira imagem que eu vi de um comunista. Ele era secretário regional e foi<br />

dar assistência a nossa base. Era um judeu cheio de espinhas e tinha um nariz cor-de-<br />

rosa. "Meu Deus", pensei, "por que ele é tão triste, com os tornozelos grossos e as meias<br />

brancas?" Chamava-se Marcos, aliás Jacques, aliás companheiro, e falava tristemente<br />

enquanto o rádio transmitia a cadeia da legalidade do Brizola que garantiria a posse de<br />

João Goulart. Eu era garoto ainda e meu olhar se fixava em detalhes irrelevantes, ou<br />

talvez, hoje penso, talvez não tão irrelevantes. Jango tomou posse para depois cair em<br />

64.<br />

Um ano antes, fizera meu primeiro filme como assistente do Leon Hirszman,<br />

em Recife, sobre a miséria. Para nós a miséria era irresistível. Como aos 20 anos resistir<br />

a esta sedução? Todos achávamos que liquidaríamos a miséria. Não havia cínicos nem<br />

desencantados, não havia clarks; havia alienados e engajados, assim era o mundo.<br />

O infinito clima de amor que era Recife em 1963. Arrais era governador, o<br />

chefe de polícia era do partido, Liana Aureliano, mulata esguia, discursava na praça<br />

cheia de estrelas de Van Gogh e um perfume de euforia no ar. A vitória, vitória alada,<br />

estava perto, no cheiro dos rios, do mar. Nem era só política; o clima era quase sexual,<br />

Marx como psicólogo. Para entender hoje é preciso sentir, imaginar o ar pernambucano,<br />

a revolução como vertigem, quase uma droga, um mistério que abria o universo, era<br />

possível mudar a vida, como disse Rimbaud, é preciso mudar a vida, a vida, e neste<br />

perfume todos enlouqueciam. Como ceder, como botar gravata e ser pré-yuppie, com<br />

esta chance de ouro, mudar o país, não o governo, mas a vida. O amigo me dizia: "O<br />

marxismo supera a morte!" "Como?" disse eu espantado. "Claro, uma vez dissolvido no<br />

social, o indivíduo perde a ilusão de que existe como pessoa. Ele só existe como<br />

espécie. E não morre. O marxista não morre!" E eu, fascinado, sonhei com a vida<br />

eterna. O marxismo prometia a vida eterna.<br />

A ilha de Cuba dançava em travellings dos filmes de Santiago Alvarez.<br />

Como amávamos os operários!... Fazíamos o jornal dos estudantes nas oficinas<br />

do Diário de Notícias. Enquanto fechávamos o jornal, no chumbo, olhávamos os

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