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armada derruba a ditadura". Vejo no meio sua mulher, loura, pequena, feroz, Aninha.<br />

Tremo. Aquela dissenção conjugal ameaçava o país. Tive o horror e a certeza de que o<br />

detalhe é tudo. Um país pode ser destruído pelo detalhe. Anos mais tarde Tancredo<br />

morreria destruído por um detalhe. A história do Brasil mudada por uma bactéria do<br />

intestino. Ali, em 1968, nascia a luta armada. Dia seguinte, o presidente Costa e Silva,<br />

populista, resolve atender os estudantes, para conciliar talvez. Outro pavor senti: o<br />

diálogo foi estragado porque os estudantes-líderes não quiseram botar paletó na porta do<br />

palácio. Por causa do paletó, não houve acordo. Até hoje sinto um arrepio.<br />

Luta armada. Imagens rápidas. Stuart Angel morre em 1971 com a boca<br />

amarrada no cano de descarga de um jipe no Galeão, na frente da tropa. Um ano antes<br />

ele me dizia, ouvindo Chico Buarque, escondido na casa de minha namorada: "Se eu for<br />

preso, não digo nem o nome". Não disse. Dias depois levo-lhe num ponto marcado, em<br />

frente ao Jardim Zoológico de Vila Isabel, uma mala com instrumentos cirúrgicos.<br />

Sozinho, ele chegou, louro, sorriu. Nunca vi ninguém tão sozinho, tão absurdo. Quis<br />

perguntar: "Mas você acha possível vencer o Exército sozinho assim?" Não perguntei,<br />

pois ele não queria só vencer o Exército. Ele estava em busca de outra coisa, uma luz de<br />

loucura dizia isso. Despediu-se e foi andando em direção à morte, calmo. Estranho; eu<br />

tinha dois sentimentos por ele: admiração e desprezo.<br />

1986. Estou em Cuba para o Festival de Cinema de Havana. Pensei em não ir,<br />

com medo de estragar meu sonho juvenil. Um amigo canadense disse: "Go. They have<br />

very good jazz and very good lobster”. Fui. Comi lagosta na casa do Dupont e ouvi o<br />

grande Arturo Sandoval. Uma noite estou num coquetel. A presença de Fidel era<br />

esperada. Suspense geral nos convidados. De repente, estou de costas para a porta e<br />

sinto um arrepio; senti a chegada do Comandante, cercado de seguranças, que entrou<br />

como um trem pela sala. Fidel foi cercado por todos, latinos, europeus, asiáticos. Uma<br />

amiga a meu lado: "Uniforme de tergal com este verde horrível. Impossível. Tinha de<br />

ser puro algodão e, sei lá, outro verde..." A crise do socialismo estampava-se naquele<br />

verde. Enfiei-me na multidão e cheguei bem perto de Fidel. "Comandante", falei com<br />

firmeza. Fidel me olhou, sorriu e me deu a mão. Arfante de emoção, agarrei a mão de<br />

Fidel e comecei a falar..."Soy de Brasil...y..." Mas o grupo de tietes era voraz e Fidel foi<br />

empurrado para o lado. Eu continuei agarrado em sua mão, enquanto ele respondia à<br />

pergunta de um anão maligno (quem seria?). O barco-Fidel jogava e eu grudado no<br />

Comandante. Sua mão é quente, larga, sua palma generosa e muito macia. Sua mão foi<br />

ficando confortável na minha, enquanto eu tentava lhe falar. "Comandante..." voltei

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