Download - Xtecnologias
Download - Xtecnologias
Download - Xtecnologias
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
E a velha começou a rezar alto no fundo, e o velho gritava para nós, com sua voz de<br />
metal: "Vocês querem me ajudar? Por que vocês não me matam? Me mata pelo amor de<br />
Deus! Ela não quer me matar!" "Eu não, pai, cruz-credo!" E a filha dava gargalhadas.<br />
"Me mate, seu retratista, são 11 anos sentindo dor, eu quero ir atrás do meu braço!"<br />
Eu não estava diante da tragédia clássica, onde a morte é a Moira temida; ali a<br />
vida era o medo máximo, ali a vida era uma morte falada. Não se tinha medo de sair da<br />
vida; o medo era ficar nela. O Nada viria como alívio. "Me mate meu companheiro!"<br />
dizia o velho, e no fundo a velha já cantava e a valsa metálica vinha de Viena, e estava<br />
aceso ali o drama em flor, ali surgia Beckett, Sófocles, ali estava Shakespeare,<br />
finalmente a arte no meio da miséria! Ohh...céu de Munch! Ohh... Goya entre os<br />
telhados! cantei como um pequeno-burguês. E saí com os olhos cheios d'agua, que<br />
secaram assim que cheguei na luz da rua do Sol. Por motivos marxistas ("muito<br />
absurdista", disseram), a cena não foi montada, mas até hoje guardo o horror puro na<br />
alma (Conrad?). Entre as gargalhadas e mortes, sob um céu de Francis Bacon, a cena era<br />
Beckett puro. Os intelectuais podem sossegar. O Nada é o Nordeste.