14.05.2013 Views

Download - Xtecnologias

Download - Xtecnologias

Download - Xtecnologias

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

também. Mas eu não olho para eles. Por que esta dissincronia de olhares? A riqueza não<br />

olha a miséria, mas a miséria olha a riqueza. Não olho para não sentir culpa, ou para não<br />

ferir meu universo estético em que a miséria é um fator de desarmonia. A miséria não é<br />

plástica. A miséria nos lembra de que a desgraça existe, e que, por conseguinte, a morte<br />

também existe. Como quero esquecer a morte, não olho o menino.<br />

Assim que dou o dinheiro ao menino, sou tomado por um ódio terrível ao<br />

estado de coisas, tenho um tremor meio histérico contra a situação brasileira, contra os<br />

políticos, contra os ricos (mais do que eu). Acelerando o carro, vejo que a indignação<br />

me enobrece e me faz atacar vagos personagens que formam uma alegoria do mal, um<br />

difuso conjunto de latifundiários, milionários, carrascos egoístas etc. Aos poucos me<br />

acalmo, enquanto o carro rola. Eu saio lucrando com a esmola, pois estou apaziguado;<br />

cumpri meu dever, me sinto legal, pois paguei um pedágio ao miserável por ter carro,<br />

comida e casa. Foi bom para mim aquele miserável. Assim, a miséria cumpriu uma<br />

função estabilizadora das regras sociais. A esmola que dei me consola mais do que ao<br />

mendigo. Também permite que eu me exclua da injustiça social, já que eu me indigno.<br />

Assim, a injustiça é feita por outros, por eles, pessoas sem rosto que são culpadas de<br />

tudo. O mundo é mau, mas eu estou fora; isto é um affair mal resolvido entre aquele<br />

garoto mendigo e os malvados do mundo. Assim, a caridade me faz bem, mais do que<br />

ao garoto que leva aquela mixaria que eu dei. A miséria mantém o mundo funcionando,<br />

apesar de sujar a paisagem.<br />

O assalto<br />

Outro cenário seria o do assalto. Estou no carro no mesmo lugar e um garotão<br />

ou dois me metem um revólver na cara e me levam o relógio, a carteira, talvez o carro e<br />

talvez me matem. Excluamos a morte, para sentirmos o after-taste, o arrière-goût, o<br />

prazer do assalto.<br />

Primeiro, o assalto inverte a posição. Eu sou a vítima, não o esmoler. A pobre<br />

pessoa sou eu, num primeiro instante. Cheio de medo, tenho de soltar a grana para não<br />

morrer. O assalto é a esmola ao contrário; você recebe a graça de viver, se for humilde.<br />

Eles é que dão a esmola.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!