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A riqueza oculta dos mendigos de rua<br />
É infrutífera a viagem em busca de alguma riqueza no mundo da miséria.<br />
Encontrar algum grão de beleza humana nesta lagoa seca é uma esperança baldada.<br />
Muitos acham que a verdade está com os desgraçados, os loucos. Se ela estiver, está<br />
onde as perguntas não são respondidas, está onde a fotografia não mostra. Mandaram-<br />
me fazer uma reportagem sobre os mendigos. Lá fui eu.<br />
Passei um dia em busca de transcendência e não encontrei nenhuma.<br />
O mendigo não ajuda nada; isto é sua mensagem. Pedimos sentido e nos<br />
devolvem obtusidade; pedimos originalidade e respondem com os restos do nosso<br />
próprio discurso que encontraram no lixo: restos de frases da TV, pedaços de jornais<br />
que leram no chão.<br />
Os mendigos são implacáveis. Vamos todos rebolativos entrevistá-los, e<br />
devolvem nosso próprio rosto num espelho sujo. Oferecemos mis-sangas, sorrisos,<br />
respeito humanista, e eles nos olham do chão com as feridas expostas e um sorriso<br />
misterioso. Eles são nossa caricatura e em vão pedimos a eles que nos salvem. Mas os<br />
mendigos não são generosos conosco. Queremos fazer uma reportagem boa e só nos<br />
devolvem risos idiotas, resmungos sem sentido, frases cifradas.<br />
Os mendigos não têm ambição literária; os mendigos só gostam de clichês.<br />
Vivem repetindo lugares-comuns, iguais aos lugares onde vivem. Quando nos<br />
emocionam é com melodramas, tragédias banais sem grandeza grega nem<br />
shakespeariana. Notem que o grande bardo sempre usava os miseráveis em papéis<br />
metafóricos, espelhos côncavos onde se refletia a loucura dos reis.<br />
Queremos roubar alguma coisa deles, mas eles tudo nos oferecem e nos<br />
ofendem com a opacidade de seus mundos sem luz. Eles nos cegam com luzes<br />
apagadas, nos obrigam a suportá-los como são. Eles nos obrigam a uma contemplação<br />
interior que não desejamos.<br />
O mendigo ocupa um lugar de psicanalista, e nos devolve suja qualquer<br />
esperança que temos de beleza.<br />
É espantosa a sovinice dos miseráveis deste pais. Vejam o trabalho dos zelosos<br />
repórteres de TV. Vão às piores palafitas, favelas, leprosários, e o que recebem em<br />
troca? Nada. Só lugares-comuns. Alguém já viu na TV alguma frase iluminadora, um