Download - Xtecnologias
Download - Xtecnologias
Download - Xtecnologias
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Arte sem respostas<br />
Mas há mais. Aquele homem que nos olha com o pincel na mão não está ali.<br />
Ele estava aqui, onde nós estamos agora. Ele não podia se pintar pintando; não é um<br />
auto-retrato; é uma estrutura em abismo, de espelhos paralelos, logo infinitos.<br />
Também nas fugas infinitas deste quadro está nossa vacilação entre mil pontos<br />
de vista, nossa morada em meio a deslocamentos, a relatividade dos tempos e espaços, a<br />
descrença de que haja um lugar só a chegar. Assim, esta insignificante cena suspensa no<br />
vacilante equilíbrio de um segundo nos fala do incessante e vasto universo que muda o<br />
tempo todo, aqui entre nós que o olhamos. Como um aleph ao contrário, as coisas<br />
infinitas olham dentro de nossos olhos. Sozinhos, desfilamos há 350 anos diante de<br />
Velázquez.<br />
Na proposital gratuidade deste tema (infanta, criadas, anões e cachorro) um<br />
pintor nos ensina que não há respostas. Todas as esperanças religiosas se esvaem neste<br />
quadro. Velázquez nos deixa desamparados, em crise, e rimos de angústia diante do<br />
enigma kafkiano-borgiano que ele abriu.<br />
E o repórter olha o quadro e lembra do museu de feias artes do Brasil. Porque<br />
Velázquez nos ensina mais ainda. Nos ensina que, para além das alegorias triunfais, das<br />
esperanças em salvação ou milagres, existe um olhar sobre nós mesmos. Na época pós-<br />
pós, o retrato As meninas nos remete a um nada metafórico. Só o insignificante é<br />
profundo. A lógica do universo não se atingiria pelo triunfo da beleza, mas pelos<br />
detritos do gratuito. Não significamos nada; somos o detrito cio big bang. Velázquez em<br />
vez da metáfora faz a suprema metonímia: desloca a arte sobre nossas cabeças. Nós<br />
somos o quadro.