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passar em revista as forças dos vanguardistas da Arte Moderna. Agora, 'o romance'! Vai<br />

falar Oswald de Andrade!"<br />

O telão do teatro subiu e vi, então, Oswald! Estava elegante, sem os dentes<br />

sangrando ainda do futuro antropofágico, paletó escuro, gravata cuidada, cabelos<br />

repartidos ao meio, começou com um jeito d'annunziano a ler trechos de Os<br />

condenados (Pagu teria 11 anos naquele dia). As vaias começaram, terríveis, inclusive<br />

sem motivo, pois o que Oswald lia era pouco corrosivo, romântico. Mas a patuléia<br />

queria a zona (como diríamos mais tarde), patear, chiar, silvar. Não me contive e lancei<br />

um severo "Chut!" que funcionou, talvez por meu timbre raro, futurista, eu que vinha de<br />

tão peito, ali de Higienópolis, 70 anos depois. Oswald terminou, e eu via em seus olhos<br />

a clara consciência da histeria do momento; Oswald era um daqueles que não têm<br />

descanso, com um excesso de lucidez que impede muita entrega. Menotti, mais crédulo<br />

e eficaz, saltitou logo, enquanto Oswald saía com um esgar de riso amargo sob vaias.<br />

Menotti: "Agora vem aquele que escandaliza os arraiais sonolentos da arte paulista!<br />

Mário de Andrade!"<br />

Um janota deu um grande bocejo alto, a vaia estrondou. Mário, magro ainda,<br />

com uma auréola de santo na cabeça, reclamou: "Assim não recito!" Alguém gritou:<br />

"Que pena!" Gargalhadas gerais. Mário, então, num arranco de revolta, começou como<br />

uma metralha a "Ode ao burguês": (Alguns pesquisadores negam que ele tenha<br />

declamado, pois seria linchado. Não; Mário declamou a "Ode"; eu estava lá e vi!) "Eu<br />

insulto o burguês/o burguês níquel/o burguês-burguês/A digestão bem-feita de São<br />

Paulo/O homem curva/ o homem nádegas/ o homem que sendo francês, brasileiro,<br />

italiano/ é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!"<br />

Estranhamente, fez-se um silêncio tenso. Fascinado, o público ouvia os ataques<br />

do mulato à sua elite industrial e cafeeira. No grupo dos financiadores, correu um<br />

arrepio. Martinho Prado mudou de posição na poltrona.<br />

Mário: "Come-te a ti mesmo, oh, gelatina pasma! Oh, puree de batatas morais!<br />

Oh, cabelos nas ventas! Oh, carecas!"<br />

Neste momento um careca de casaca se retirava com a esposa de peito de<br />

pombo. Alguém gritou: "Olha o careca!" Aí a vaia ficou eterna, profunda, para sempre.<br />

E Mário gritava: "Ódio aos relógios musculares! Ódio à soma! Ódio aos secos e<br />

molhados!" Uivos e cacarejos. Menotti pulou na frente e gritou: "Curto é o tempo, longa<br />

é a arte! Cacete é a parlapatice!" Aí, eu próprio me irritei com tanto desejo de aparecer e<br />

berrei, entrando para a História: "Tira o cravo da lapela, Menotti!" Dois boçais do meu

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