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momento de redenção pela miséria? Não. E olha que os mendigos vivem em contato<br />
com as barras mais pesadas. Não era justo que eles nos dessem um pouco desta riqueza<br />
de aventuras? Não. Positivamente, os pobres não cooperam com o jornalismo.<br />
Com a crise do país, eles estão aumentando sem parar. Mas teimam em<br />
ostentar nenhuma originalidade seja no trajar seja no comportamento.<br />
Samuel Beckett explorou-os, usando-os como metáfora de culta melancolia<br />
niilista. O mendigo não tem nada, mas não é niilista. Talvez, sei lá, mendigos<br />
irlandeses, belgas; aqui, não.<br />
A reportagem contudo desconfiou que talvez alguma coisa profunda se<br />
escondesse por trás dos rostos sujos e conseguiu descobrir várias riquezas ocultas dos<br />
mendigos. Aqui vão algumas:<br />
1. A vida dos mendigos é em close: a pedra, o chão, os pés dos passantes, a<br />
esmola, a garrafa de pinga, a faca. No mundo dos mendigos não existem pensamentos<br />
descortinados. Mendigos não gostam de idéias abstratas. Não se pode falar de opção<br />
com mendigos, ou de projeto. Mendigos não têm projeto abstrato. Só concreto. Ex: meu<br />
projeto é arranjar pinga.<br />
2. Os mendigos insistem no óbvio por sabedoria. Em todas as entrevistas<br />
cismaram em só repisar como importantes coisas como casa, dinheiro, reforma agrária.<br />
Qualquer tentativa de aprofundar esbarrava nesta teimosia. Seus rostos revelavam por<br />
outro lado uma sombra de ironia crítica. Tudo levou o repórter a crer que não acreditam<br />
em profundidade. Eles acham que o profundo é o superficial, que o aparente é o latente.<br />
Como em Nelson Rodrigues, o elogio do óbvio é um indício de sabedoria.<br />
3. Os mendigos são materialistas, mas jamais dialéticos. O apreço pelo<br />
prático-concreto ridiculariza as complexidades da vacilação pequeno-burguesa. Os<br />
mendigos odeiam idéias gerais, finalismos, futuros. São pragmáticos como os<br />
americanos.<br />
4. Muitos não falavam e se limitavam a nos olhar com uma expressão feita de<br />
descrença, de uma certa paz no sofrimento, que nos dava uma sensação de humilhação e<br />
até uma certa inveja. "Que sabe ele que eu não sei?" pensávamos.<br />
O silêncio observado durante o jantar dos mendigos era impressionante.<br />
Durante o jantar, ninguém falou. E não era um silêncio feito só de melancolia. Eles<br />
chegaram até aquele silêncio. Diante daquele silêncio, tudo que dissemos parecia<br />
mentira. O silêncio dos mendigos critica a modernidade. Como já são 30 milhões no<br />
Brasil, são uma ameaça para a boa circulação de informações. Os mendigos não se