14.05.2013 Views

Download - Xtecnologias

Download - Xtecnologias

Download - Xtecnologias

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O Brasil ainda tem muito<br />

a desaprender<br />

Mais que avaliado por décadas boas ou más, o país precisa medir seus<br />

avanços pelo que sobra dos erros cometidos.<br />

Janis Joplin chegou para mim no Bar Varanda em Salvador, Bahia, 1970, e me<br />

perguntou: "Where can we get some fun around here?" Olhei atordoado a grande musa<br />

que tremia à minha frente (ela tremia, a Janis Joplin parecia batida por um grande<br />

vento), e a seu lado um americanão forte me olhava, com um lenço tipo Cazuza na<br />

cabeça e uma bandagem de gaze no braço tapando a veia, onde uma mancha de sangue<br />

aflorava. Tinham se picado e queriam diversão. Eu balbuciei "música negra",<br />

"candomblé", e eles não queriam nada; queriam barras mais pesadas e eu acabei<br />

levando-os para o Meia-Três, o puteiro mais babilônico da Bahia, na ladeira da<br />

Montanha, e Janis Joplin bebeu cachaça pura a noite toda com as mulheres. O Meia-<br />

Três era realmente espantoso; com vários andares, pelas largas frestas se viam as<br />

mulheres e seus fregueses, e era tão grande a multidão de devassos que tudo aquilo<br />

parecia a ilustração de prostíbulos de guerra. Tudo era árido, desossado de amor e<br />

romantismo, e Janis Joplin caía de porre e cantava uns pontos de candomblé com uma<br />

putinha oxigenada e eu via entrar na minha vida a década de 70, que até hoje tem esse<br />

cheiro de romantismo com desespero, de sujeira com perigo. A propósito da reportagem<br />

sobre os Anos 70 publicada no caderno Mais! da Folha de São Paulo, acho que década<br />

não existe; existe é o rio de porradas entre ilusão e realidade.<br />

Meses depois, estou em Vila Isabel ao lado de Stuart Angel Jones, que me diz<br />

dentro do carro onde o levo com dois outros guerrilheiros feridos e sangrando para um<br />

aparelho oculto (foi minha única ajuda à guerrilha urbana): "Se eu for preso, não digo<br />

nem meu nome!" Foi preso e não disse; morreu arrastado com o rosto amarrado no cano<br />

de descarga de um jipe, diante da tropa formada de um quartel.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!