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A elegância pode ser uma<br />
forma de violência<br />
Debaixo de um viaduto ando com os olhos vermelhos. Uma mendiga japonesa<br />
(raro ver uma), louca e gritando no meio do trânsito, me joga um pedaço de caixote, do<br />
qual me esquivo e atravesso a rua fumacenta. O ar está regular, no anúncio luminoso.<br />
Regular? Quando será: Fujam!? Dou uma cafungada no carbônico e vou em frente.<br />
A miséria em São Paulo, não é estrelada, invasiva como a do Rio, onde os<br />
jardins suspensos das favelas nos olham do alto, como avalanchas. Em São Paulo a<br />
miséria não é uma paisagem natural como no Nordeste. Em São Paulo suspiram os bem-<br />
nascidos, a miséria é mais periférica e só entra para pequenos serviços na forma de úteis<br />
paraíbas nas construções, nos táxis, no lixo. No Rio, nossa pobreza já teve um passado,<br />
uma tradição, uma arte. Príncipes como Cartola, Nelson Cavaquinho, o samba. A favela<br />
paulista se atravanca em planícies e nela não há samba nem tradição. Não venta, não<br />
tem vista para o mar. É lama pura e dormitório para a mão-de-obra suja e não-<br />
qualificada. A miséria carioca tem uma certa allure, um certo bafejo de elegância (cada<br />
vez menos, belas...) e, como é presente a cada instante, cria a consciência do nada, da<br />
morte nos mais bem-nascidos, assim contribuindo para a evolução existencial das<br />
classes privilegiadas. Já há no carioca um convívio com a morte que é um verdadeiro<br />
avanço cultural. Já que extinguiram outras formas de arte, temos esta living art, esta<br />
constante installation de trapos e mãos postas. Jovens louros e lindos já não têm a<br />
ingenuidade alienada dos anos 60. Em seus belos olhos já vemos sombra do sentido<br />
trágico da vida. Em São Paulo, graças às recentes enchentes, já começam a ser minadas<br />
as certezas antigas. Nada é mais tão cor-de-rosa como nos tempos de dona Olivia<br />
Penteado, quando a sofisticação art nouveau da vida permitia de um lado a Semana de<br />
Arte Moderna e de outro o monobloco do burguês total, do bigode total, do industrial<br />
total. Hoje não se fazem mais burgueses como os de Mário de Andrade, quando São<br />
Paulo não podia parar. Hoje São Paulo pode parar, como aliás está parando a qualquer<br />
momento. Hoje o burguês sai de casa impecável no Mercedes e pode ser seqüestrado<br />
(onde andarão os sequestradores? Dando um tempo? Bons tempos de suspense...) ou