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putada toda que era o nosso espelho sujo?<br />

"De repente todos os cadáveres estavam nus, e todos os presos tinham de tirar a<br />

roupa para ficarem diferentes de nós, e aquela porrada de homens nus, bonitos, parecia<br />

um inferninho, uma sauna gay enfumaçada.<br />

"Os cachorros a gente botava em corredor polonês e eles atacavam o saco dos<br />

presos, e o sangue corria veloz e era um cheiro doce, e muitos escorregavam fugindo<br />

dos cães, e parecia um bando de surfistas; um campeonato de surfe no sangue, um mar<br />

vermelho no pavilhão nove.<br />

"Mais tarde, nós veríamos os corpos nus dos homens costurados no peito, com<br />

número na coxa, e os paus tapados com uma manchinha preta, para diminuir a violência<br />

para o leitor. Por que o pau não aparecendo fica menos violento? Por que pode se<br />

mostrar o sangue em todos os jornais e não o pau? O pau é imoral e o sangue não é? O<br />

sexo lembra a vida e tem de ser oculto para não desejarmos os mortos. Homens lindos<br />

como um bale imóvel, como um show erótico parado. Os leopardos, a noite cios<br />

leopardos mortos. De que vai adiantar este show? Será que algum horror melhora o<br />

Brasil?<br />

"O inferno é aqui e todo mundo tem de ver. Havia uma denúncia naquilo que<br />

fizemos. O Brasil não quer ver a miséria, não quer ver o sangue, mas tem de ver. Nós<br />

somos os testemunhos destes buracos negros de sangue.<br />

"Queremos que todos vejam a imunda escultura de nossos detritos, o lixo<br />

colorido e ensangüentado de nossos trapos, o intestino podre da boca do boi (a latrina e<br />

pia batismal das celas, o esgoto e a sepultura das prisões.), a boca do boi onde se<br />

misturam as lágrimas e a merda. Nós somos a privada e a boca do boi do país. No lixo<br />

do massacre está o milagre brasileiro. Está tudo lá, tudo ensangüentado, o radinho de<br />

pilha, os cigarros, a camiseta United Colors of Benetton, a cara do Pato Donald na<br />

parede, a garota da Playboy, as sandálias havainas, as camisas assassinadas, os bonés<br />

sem dono, os punhais abandonados, o plástico, os cigarros esmagados, as canecas secas,<br />

as meias sem pés, o sangue nos ladrilhos, o sangue no vinil, o sangue no isopor, na<br />

escova de dentes, a morte como as sobras de uma sociedade abandonada. Shopping<br />

centers mortos e camelôs bombardeados, todo o país ressurecto naquele lixo que<br />

ninguém quer ver.<br />

estavam mortos.<br />

"Os oficiais mandavam a gente enfiar as baionetas nos corpos para ver se<br />

"E nós obedecíamos. Cada vez era mais fácil.

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