Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzLIÇÃO1980A luz <strong>da</strong> lamparina <strong>da</strong>nçavafrente ao ícone <strong>da</strong> Santíssima Trin<strong>da</strong>de.Paciente, a avó ensinavaa <strong>pr</strong>ostrar-se em reverência,a persignar-se com três dedose a rezar em língua eslava.De mãos postas, a meninafielmente repetiapalavras que ela ignorava,mas Deus entendiaOs versos são simples, fluentes e rítmicos, sem uma só palavra quedemonstre esforço artificioso de construção, nem torneios sintáticosdesajustados. Nos versos do poema, destacam-se as assonâncias do /a/ e /e/, e asaliterações do /m/ e /n/, <strong>da</strong>ndo ideia de fluxo contínuo. As imagens do "ícone <strong>da</strong>Santíssima Trin<strong>da</strong>de" e <strong>da</strong> "luz <strong>da</strong> lamparina", <strong>da</strong>nçando à frente do ícone, sãomarcantes. O ícone não é <strong>da</strong> mesma natureza do retrato, sua "semelhança" éapenas de caráter ideal, na medi<strong>da</strong> em que a imagem participa <strong>da</strong> "reali<strong>da</strong>dedivina" que se destaca a ex<strong>pr</strong>imir. O ícone é a re<strong>pr</strong>esentação <strong>da</strong> "reali<strong>da</strong>detranscendente", nos limites inerentes à incapaci<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong>mental de traduzir deforma adequa<strong>da</strong> o divino, e suporte para a meditação. A luz, no entanto, é símboloconstante <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> salvação e <strong>da</strong> felici<strong>da</strong>de <strong>da</strong><strong>da</strong>s por Deus, e também ela é o"símbolo patrístico do mundo celeste e <strong>da</strong> eterni<strong>da</strong>de" (CHEVALIER;GHEERBRANT, 1991, p. 570).Em “Lição” (OA), salienta-se, na segun<strong>da</strong> estrofe, a paciência <strong>da</strong> avóque "ensina" a menina "a rezar em língua eslava". Conforme a afirmação dosujeito lírico, há uma incom<strong>pr</strong>eensão <strong>da</strong>s palavras pela menina, que as repete,sem entender, justamente por ela não dominar a língua eslava. Os enjambements<strong>pr</strong>oduzem uma dinamização que reforça o ritmo do poema. A construção poéticadesse texto é determinado pelo ritmo, que por sua vez possui uma marca<strong>pr</strong>edominantemente acústica. Os efeitos sonoros relacionam-se semanticamenteno poema, como se pode constatar nas rimas consoantes "ensinava" x "eslava", e"repetia" x "entendia".A <strong>poesia</strong> kolodyana a<strong>pr</strong>esenta-se como comunicação e conhecimento. Écomunicação porque ca<strong>da</strong> palavra encerra certa plurali<strong>da</strong>de de significadosvirtuais, pois a <strong>poesia</strong> é uma "plurali<strong>da</strong>de de sentidos"; e é conhecimento porque126
<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>ela faz conhecer, no momento <strong>da</strong> leitura, a <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ia linguagem, distancia<strong>da</strong> dohábito e revivi<strong>da</strong> – pelo leitor – como nova pela invenção poética. Tais<strong>pr</strong>ocedimentos podem fazer com que o leitor tome consciência de que alinguagem do poema é altamente organiza<strong>da</strong>.Verifica-se, na <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, uma certa sau<strong>da</strong>de nostálgica eo desejo de recuperar a pureza original <strong>da</strong> infância. Nela está a origem <strong>da</strong>saspirações mais puras <strong>da</strong> poeta. A evocação à infância torna-se uma constante na<strong>poesia</strong> kolodyana.No texto intitulado “Infância” (SR – VE, p. 151), a poeta alicerça aconstrução poética que se caracteriza pelo desejo de buscas e aspirações, em quea meninice é rememora<strong>da</strong> pelo eu lírico:INFÂNCIAAquelas tardes de Três Barras.Plenas de sol e de cigarras!Quando eu ficava horas perdi<strong>da</strong>sOlhando a faina <strong>da</strong>s formigasQue iam e vinham pelos carreiros,No áspero tronco dos pessegueiros.A chuva-de-ouroEra um tesouro,Quando floria.De áureas abelhasTo<strong>da</strong> zumbia.Alfom<strong>br</strong>a flavaO chão co<strong>br</strong>ia...O cão travesso, de nome eslavo,Era um amigo, quase um escravo.Meren<strong>da</strong> agreste:Leite crioulo,Com mel dourado,Cheirando a favo.Ao lusco-fusco, quanta alegria!A menina<strong>da</strong> to<strong>da</strong> acorriaPara cantar, no imenso terreiro:“Mais bom dia, Vossa Senhoria”...“Bom barqueiro! Bom barqueiro...”Soava a canção pelo povoado inteiroE a <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ia luz ciran<strong>da</strong>va e ria.Se a tarde de domingo era tranqüila,Saía-se a flanar, em pleno sol,No campo, recendente a camomila.Alegria de correr até cairRolar na relva como potro novoE quase sufocar, de tanto rir!No riacho claro, às segun<strong>da</strong>s-feiras,Batiam roupas as lavadeiras.Também a gente lavava traposNas pedras lisas, nas corredeiras;Catava limo, topava sapos(Ai, ai, que susto! Virgem Maria!)Do tempo, só se sabiaQue no ano sem<strong>pr</strong>e existiaO bom tempo <strong>da</strong>s laranjasE o doce tempo dos figos...Longínqua infância... Três BarrasPlena de sol e cigarras!127
- Page 2 and 3:
ANTONIO DONIZETI DA CRUZé professo
- Page 4 and 5:
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO P
- Page 6 and 7:
© 2010, Antonio Donizeti da CruzRe
- Page 9:
AGRADECIMENTOS SEMPREAgradeço ao p
- Page 15:
A alegria maior da vida é colher o
- Page 19:
SIGLAS DOS LIVROS DE HELENA KOLODYP
- Page 23 and 24:
PALAVRAS PRIMEIRASHelena Kolody: a
- Page 25 and 26:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 27 and 28:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 29 and 30:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 31 and 32:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 33 and 34:
desenvolvimento da cultura brasilei
- Page 35 and 36:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 37 and 38:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 39 and 40:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 41 and 42:
Feita de tortura e fel.Helena Kolod
- Page 43 and 44:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 45 and 46:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 47 and 48:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 49 and 50:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 51 and 52:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 53 and 54:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 55:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 58 and 59:
Antonio Donizeti da CruzA única ju
- Page 60 and 61:
Antonio Donizeti da Cruzpois, dessa
- Page 62 and 63:
Antonio Donizeti da CruzJakobson co
- Page 64 and 65:
Antonio Donizeti da Cruz"encantamen
- Page 66 and 67:
Antonio Donizeti da Cruzmais difere
- Page 68 and 69:
Antonio Donizeti da Cruza imagem co
- Page 71 and 72:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 73 and 74:
A comunicabilidade na poesia kolody
- Page 75 and 76:
Em “Inquietação”, o sujeito l
- Page 77 and 78: “Exílio” (SR, p. 12) é um exe
- Page 79 and 80: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 81 and 82: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 83 and 84: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 85 and 86: Chego a pensar, às vezes, comovida
- Page 87 and 88: significado das palavras, além do
- Page 89 and 90: A poesia de Helena Kolody funda-se
- Page 91 and 92: O poema enquanto presente original
- Page 93 and 94: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 95 and 96: poético. Percebe-se que a linguage
- Page 97 and 98: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 99 and 100: A tanka “Sabedoria” (RE, p. 60)
- Page 101 and 102: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 103 and 104: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 105 and 106: O haicai intitulado “Depois” (R
- Page 107 and 108: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 109 and 110: Pode-se dizer que a "semente" é me
- Page 111 and 112: A longa mão feita de sombraE tira
- Page 113 and 114: Ao calor do interrogar-senuvens ocu
- Page 115 and 116: dando um tom de irregularidade às
- Page 117 and 118: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 119 and 120: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 121 and 122: Lembra, sem o querer, numa impress
- Page 123 and 124: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 125 and 126: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 127: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 131 and 132: CONSIDERAÇÕES FINAISHelena Kolody
- Page 133 and 134: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 135 and 136: REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASHelena
- Page 137 and 138: ATEM, Reinoldo. Panorama da poesia
- Page 139 and 140: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 141 and 142: JAKOBSON, Roman; POMORSKA, Kristyna
- Page 143: ANEXOS
- Page 147: 145
- Page 151: 149
- Page 155: 153
- Page 159: 157
- Page 163: 161
- Page 167 and 168: 2PRAÇA RUI BARBOSAQuando a conheci
- Page 169: 3A PRAÇAQuando a conheci, chamava-
- Page 173: HAIGO171
- Page 177: 175
- Page 181:
179
- Page 185 and 186:
MANEIRAS DE SERHelena KolodyOs que