Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzA única justificativa <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>, na opinião de Esteban, é o "vetor"que a conduz e a arremessa, a oscilação do arco, o disparo <strong>da</strong> flecha e não o<strong>br</strong>anco do alvo que ela atinge. A <strong>inquietação</strong> pode ser defini<strong>da</strong> como uma espéciede itinerância interior, um impulso do espírito que não encontra lugar onde sefixar. O "caminho modifica o caminhante" e a "mu<strong>da</strong>nça" torna-se uma lei devi<strong>da</strong> para aquele que a experimenta. Nesse caso, o "eu inquieto", que se aventurafora de si mesmo, não pode de forma alguma ser um eu que se contenha e, atémesmo, se determine "enquanto consciência de <strong>inquietação</strong>". No que dizrespeito ao homem <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong> e ao seu Eu, Esteban salienta:O homem <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>, como dizia Keats do poeta, pormais lúcido que se <strong>pr</strong>eten<strong>da</strong> e abonador de seuem<strong>pr</strong>eendimento intelectual, é um ser que não tem eu, oumelhor, que é perpassado, irrigado por um fluxo de<strong>pr</strong>esenças extrínsecas, de reali<strong>da</strong>des estranhas, as quaisfazem de seu eu menos um conteúdo, uma substânciaparticular, do que um receptáculo de alteri<strong>da</strong>des(ESTEBAN, 1991, p. 39).O Eu do homem inquieto cresce com todos os possíveis do mundo, umavez que a <strong>inquietação</strong> <strong>pr</strong>oporciona uma espécie de sustentação, uma estimulação.A <strong>inquietação</strong> também a<strong>pr</strong>esenta um enriquecimento externo que ultrapassa "ossortilégios <strong>da</strong> contemplação solipsista". O homem inquieto não adere à ideiafascinante e confusa <strong>da</strong>quilo a que se denomina destino, direção. Por um esforçoconsciente, ele luta contra essa <strong>pr</strong>ocura oculta "na memória <strong>pr</strong>ofun<strong>da</strong> e quetranqüiliza tanto quanto esmaga, que tranqüiliza, talvez, quanto mais esmaga"(ESTEBAN, 1991, p. 40).A <strong>inquietação</strong> poética, ain<strong>da</strong> segundo Esteban, é um questionamento doscom<strong>pr</strong>omissos e <strong>da</strong>s convenções <strong>da</strong> linguagem. A <strong>inquietação</strong> poéticadesestabiliza e desconcerta o edifício conceitual, desarranja o "severo pórtico"<strong>da</strong> lei e do imutável. É uma forma de "ser itinerante". Assim, no dizer de ClaudeEsteban, o poeta – homem inquieto – é o instaurador do sentido nos signos.O filósofo Jacques Lavigne, em A <strong>inquietação</strong> humana, afirma que osentimento enraiza-se no mais <strong>pr</strong>ofundo do ser humano e fun<strong>da</strong>menta o seudinamismo. Ser inquieto é o estado de um ser limitado que tem consciência <strong>da</strong>sua imperfeição e quer superá-la (1958, p. 54).Em meio aos questionamentos, importa, pois, poder delinear, frente àstransformações, os sinais <strong>da</strong> origem e do fim transcendente do homem,<strong>pr</strong>ocurando o sentido <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> no desenvolvimento <strong>da</strong> ação e do pensamento56
<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>humano. Para Jacques Lavigne, o homem somente escreveria sua história, se elemesmo fosse simultaneamente testemunha de sua origem e restituído ao termo<strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>. O homem, ao tomar consciência de sua vi<strong>da</strong>, encontra-secom<strong>pr</strong>omissado, e não sabe que rumo terá sua existência. O que o tornaconsciente de si na <strong>inquietação</strong> é o estar entre o passado perdido e o futuroincerto, uma vez que o passado traz a decepção, o futuro, a angústia. Naexistência e na <strong>inquietação</strong>, o homem é colocado acima do tempo e do devir; éforçado a in<strong>da</strong>gar o seu sentido (1958, p. 28-29).A <strong>inquietação</strong> origina-se de um duplo sentimento de ausência, pois avi<strong>da</strong> humana, realizando-se no tempo, gera sucessivamente um passado e umfuturo: o passado, que é uma per<strong>da</strong>, e o futuro, uma <strong>pr</strong>ivação. A infância nãoconhece a <strong>inquietação</strong>: o homem só a conhece quando sua vi<strong>da</strong> já <strong>pr</strong>incipiou, poisé no limiar <strong>da</strong> maturi<strong>da</strong>de que a <strong>inquietação</strong> aparece. É como que a condição doseu advento espiritual, em que, desco<strong>br</strong>indo o tempo, ele é colocado em face <strong>da</strong>sua insuficiência. Ao desco<strong>br</strong>ir o tempo, o homem introduz um intervalo entre sie ele, entre o mundo que tem e o que desejaria, sentindo que na<strong>da</strong> no mundo e dohomem poderá <strong>pr</strong>eencher este espaço e vazio. A <strong>inquietação</strong> é a consciência destaruptura. O que inquieta o ser humano é recusar no fundo de si mesmo o únicomundo que seja o seu, o único lugar que lhe pertence.A <strong>inquietação</strong> pode ser a ausência do infinito. Não se pode responder aesta ausência senão pelo absoluto. Hegel foi um dos filósofos que refletiramso<strong>br</strong>e a <strong>inquietação</strong>. O fato de Hegel conceber a vi<strong>da</strong> como uma história e a<strong>inquietação</strong> como uma fase dessa história, coloca-o muito naturalmente nocaminho <strong>da</strong> filosofia cristã. Tanto mais que sustenta claramente que a<strong>inquietação</strong> nasce, no ser humano, <strong>da</strong> oposição <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> finita ao pensamentoinfinito; que o tempo é para o homem o lugar onde se conquista a eterni<strong>da</strong>de.Ain<strong>da</strong>, para Hegel, é a ideia de infinito que <strong>pr</strong>ovoca a <strong>inquietação</strong> (LAVIGNE,1958, p. 48-50).Hegel, em Estética: <strong>poesia</strong>, afirma que "o objeto ver<strong>da</strong>deiro <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> é oreino infinito do espírito". A <strong>poesia</strong> lírica tem por conteúdo o mundo interior, osubjetivo, a alma agita<strong>da</strong> por sentimentos, "alma que em vez de agir, persiste nasua interiori<strong>da</strong>de", e não pode, por essa maneira, "ter por forma e por fim senão aexpansão do sujeito, a sua ex<strong>pr</strong>essão" (HEGEL, 1980, p. 31).A <strong>poesia</strong> é palavra, e o som <strong>da</strong> palavra é a coisa mais <strong>pr</strong>óxima <strong>da</strong> ideia. A<strong>poesia</strong> re<strong>pr</strong>esenta o ver<strong>da</strong>deiro. A <strong>poesia</strong> lírica satisfaz a necessi<strong>da</strong>de de percebero que sentimos: os nossos sentimentos, as nossa paixões, as nossas emoções, porintermédio <strong>da</strong> linguagem e <strong>da</strong>s palavras com que os revelamos ou objetivamos,57
- Page 2 and 3:
ANTONIO DONIZETI DA CRUZé professo
- Page 4 and 5:
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO P
- Page 6 and 7:
© 2010, Antonio Donizeti da CruzRe
- Page 9: AGRADECIMENTOS SEMPREAgradeço ao p
- Page 15: A alegria maior da vida é colher o
- Page 19: SIGLAS DOS LIVROS DE HELENA KOLODYP
- Page 23 and 24: PALAVRAS PRIMEIRASHelena Kolody: a
- Page 25 and 26: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 27 and 28: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 29 and 30: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 31 and 32: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 33 and 34: desenvolvimento da cultura brasilei
- Page 35 and 36: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 37 and 38: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 39 and 40: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 41 and 42: Feita de tortura e fel.Helena Kolod
- Page 43 and 44: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 45 and 46: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 47 and 48: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 49 and 50: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 51 and 52: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 53 and 54: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 55: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 60 and 61: Antonio Donizeti da Cruzpois, dessa
- Page 62 and 63: Antonio Donizeti da CruzJakobson co
- Page 64 and 65: Antonio Donizeti da Cruz"encantamen
- Page 66 and 67: Antonio Donizeti da Cruzmais difere
- Page 68 and 69: Antonio Donizeti da Cruza imagem co
- Page 71 and 72: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 73 and 74: A comunicabilidade na poesia kolody
- Page 75 and 76: Em “Inquietação”, o sujeito l
- Page 77 and 78: “Exílio” (SR, p. 12) é um exe
- Page 79 and 80: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 81 and 82: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 83 and 84: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 85 and 86: Chego a pensar, às vezes, comovida
- Page 87 and 88: significado das palavras, além do
- Page 89 and 90: A poesia de Helena Kolody funda-se
- Page 91 and 92: O poema enquanto presente original
- Page 93 and 94: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 95 and 96: poético. Percebe-se que a linguage
- Page 97 and 98: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 99 and 100: A tanka “Sabedoria” (RE, p. 60)
- Page 101 and 102: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 103 and 104: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 105 and 106: O haicai intitulado “Depois” (R
- Page 107 and 108: Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 109 and 110:
Pode-se dizer que a "semente" é me
- Page 111 and 112:
A longa mão feita de sombraE tira
- Page 113 and 114:
Ao calor do interrogar-senuvens ocu
- Page 115 and 116:
dando um tom de irregularidade às
- Page 117 and 118:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 119 and 120:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 121 and 122:
Lembra, sem o querer, numa impress
- Page 123 and 124:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 125 and 126:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 127 and 128:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 129 and 130:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 131 and 132:
CONSIDERAÇÕES FINAISHelena Kolody
- Page 133 and 134:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 135 and 136:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASHelena
- Page 137 and 138:
ATEM, Reinoldo. Panorama da poesia
- Page 139 and 140:
Helena Kolody: a poesia da inquieta
- Page 141 and 142:
JAKOBSON, Roman; POMORSKA, Kristyna
- Page 143:
ANEXOS
- Page 147:
145
- Page 151:
149
- Page 155:
153
- Page 159:
157
- Page 163:
161
- Page 167 and 168:
2PRAÇA RUI BARBOSAQuando a conheci
- Page 169:
3A PRAÇAQuando a conheci, chamava-
- Page 173:
HAIGO171
- Page 177:
175
- Page 181:
179
- Page 185 and 186:
MANEIRAS DE SERHelena KolodyOs que