Marta <strong>de</strong> Oliveira“A literatura tem <strong>de</strong> ser expressão <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>”.De Bonald“Le carnaval est un spectacle sans la rampe etsans la séparation en acteurs et spectateurs”.Bakhtine“Isso é a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e qualquer semelhança com aficção é mera coincidência”.Manuel RuiCARNAVAL DA VITÓRIA112De ouvido apurado ou <strong>de</strong> dorso resistente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos mais remotosque os animais, quer as aves, quer os animais <strong>de</strong> carga, serviam<strong>de</strong> imagem para referenciar o comportamento humano, nomea<strong>da</strong>mentenos seus vícios e virtu<strong>de</strong>s.Assim, os animais converteram-se numa diverti<strong>da</strong> lição <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> paraos homens, que muitas vezes se riem <strong>de</strong> si próprios, quando pensam rir--se dos animais.Símbolo <strong>de</strong> pessoas reais, as imagens animais prestam as funçõeslúdica, moral e paródica. Neste sentido, leiam-se <strong>obra</strong>s como o Triunfodos porcos, <strong>de</strong> George Orwell (243) , on<strong>de</strong> a analogia com Quem me <strong>de</strong>ra seron<strong>da</strong> nos parece pertinente.243A fábula orwelliana aflora as implicações do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>spótico e totalitário, capaz <strong>de</strong> cercear to<strong>da</strong>sas liber<strong>da</strong><strong>de</strong>s e <strong>de</strong> se corromper.E-book CEAUP 2007
<strong>Na</strong>(<strong>rra</strong>)ção satírica e humorística: uma <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel RuiAs pontes <strong>de</strong> convergência (não se procura a influência) entre asduas <strong>obra</strong>s não são <strong>de</strong>cisivamente unidimensionais, uma vez que sedistinguem claramente, nos códigos e estruturas formais, no entanto asanalogias são evi<strong>de</strong>ntes.O recurso ao porco atribui a ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s na<strong>rra</strong>tivas o sentido docómico do non-sense, a <strong>de</strong>sconstrução do status, pela máxima “ri<strong>de</strong>ndocastigat mores” (244) . A personagem porco confere uma duplici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sentidos, em Quem me <strong>de</strong>ra ser on<strong>da</strong>, na boca <strong>de</strong> Diogo ele é o burguêsque o estado revolucionário <strong>de</strong>ve suprir (“estás-te a aburguesar”), emboraseja igualmente a metáfora <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte (245) , on<strong>de</strong> as leisjustificam todos os meios.Em termos simbólicos, o porco significa “a sofreguidão, a voraci<strong>da</strong><strong>de</strong>:<strong>de</strong>vora e engole tudo o que se lhe apresente. Em muitos mitos, é estepapel <strong>de</strong> sorvedouro que lhe é atribuído. (...) É geralmente o símbolo <strong>de</strong>tendências obscuras, sob to<strong>da</strong>s as suas formas <strong>de</strong> ignorância, <strong>de</strong> glutonice,<strong>de</strong> luxúria e egoísmo” (Chevalier et Gheerbrant: 1994: 537).Repare-se que o porco, em Quem me <strong>de</strong>ra ser on<strong>da</strong>, é “subordinado”por Diogo com os “torrões <strong>de</strong> açúcar” (“glutonice”), ou então com os“fones” nos ouvidos (“luxúria”).Apesar <strong>da</strong> simplici<strong>da</strong><strong>de</strong> que ence<strong>rra</strong>, no facto <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> umanimal, Carnaval <strong>da</strong> Vitória reflecte uma enorme profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conteúdo.O porco colocar-se-á ao serviço do advertimento, <strong>da</strong> consciênciacrítica, <strong>da</strong> repreensão, <strong>da</strong> correcção dos erros e vícios humanos. A liçãoserá sábia, diverti<strong>da</strong> e didáctica.A sua <strong>de</strong>scrição é dinâmica, associa<strong>da</strong> a gestos e grunhidos, <strong>da</strong>ndo--nos conta <strong>da</strong> sua evolução, <strong>da</strong>s marcas <strong>de</strong> aburguesamento sofri<strong>da</strong>s aolongo do tempo. Estes índices constituem uma espécie <strong>de</strong> código, poispermitem a <strong>leitura</strong> <strong>de</strong> um nível <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> – o burguês.Carnaval <strong>da</strong> Vitória surge como figura aforística e caricatural <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadoscomportamentos humanos (a fuga para a ci<strong>da</strong><strong>de</strong>; o aburgue-113244Lélia Duarte <strong>de</strong>staca as funções do riso, realçando, neste sentido, a social, educadora e i<strong>de</strong>ológica,para a mesma autora “a comédia ridiculariza, através <strong>da</strong> sátira, a transgressão ou o <strong>de</strong>srespeito àsnormas sociais, porque serve a um po<strong>de</strong>r estabelecido, buscando a cumplici<strong>da</strong><strong>de</strong> do leitor/espectador:ri<strong>de</strong>ndo castigat mores” (i<strong>de</strong>m:15). Duarte, Lélia Parreira, “Riso e morte: submissão e libertação”, in Românica:O Riso, nº11, Lisboa, Colibri, 2002.245Po<strong>de</strong>mos dizer que metaforicamente, assume feições <strong>de</strong> “pocilga”.2007 E-BOOK CEAUP
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