Marta <strong>de</strong> Oliveirano”, é o mesmo <strong>da</strong> semana passa<strong>da</strong>”, “foi o que roubou a aparelhagem”, “secalhar o cartão <strong>de</strong>le ain<strong>da</strong> é falso”(...)”.(p. 17)O episódio <strong>de</strong> escape do fiscal leva a re-baptizar o porco <strong>de</strong> “Carnaval<strong>da</strong> Vitória”.Um outro fruto <strong>da</strong> esperteza dos miúdos é a falsificação <strong>de</strong> um ofício(264) em papel timbrado <strong>da</strong> Justiça – roubado <strong>de</strong> Faustino – através doqual obtém restos <strong>de</strong> carne num hotel <strong>de</strong> luxo:“À tar<strong>de</strong>, no fim <strong>da</strong> escola, quando chegaram na recolha <strong>da</strong> comi<strong>da</strong> <strong>de</strong>‘carnaval <strong>da</strong> vitória’, Ruca aproximou-se do controlador <strong>da</strong> porta e entregouo papelTribunal <strong>da</strong> Comarca <strong>de</strong> Luan<strong>da</strong> – 2ª VaraPara os cães policiais <strong>da</strong> ca<strong>de</strong>ia do Tribunal peço aparas cruas <strong>de</strong> carne.Man<strong>de</strong>-me pouco sebo. São cães estatais comem todos os dias.Sau<strong>da</strong>ções RevolucionáriasFaustino(Juiz)O homem foi no fundo do corredor, fez uma ligação telefónica evoltou.– Esperem só um bocado.E não passaram <strong>de</strong>z minutos. Zeca e Ruca tinham um saco <strong>de</strong> aparas”.(p. 50)122O que transluz, para além <strong>da</strong>s fragili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> um sistema aparentementetão rígido, é o cenário <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> angolana.Confrontados com o final, parece-nos que o i<strong>de</strong>al que subjaz, na <strong>obra</strong>,será o <strong>de</strong> que a reconstrução social como um todo, como uma utopia, realizáveltanto no seu sentido colonial como no sentido <strong>da</strong> funcionali<strong>da</strong><strong>de</strong>do po<strong>de</strong>r, ultrapassando a própria inocência <strong>da</strong>s crianças, assumindo--se como utopia sagra<strong>da</strong> (ou sagra<strong>da</strong> esperança <strong>de</strong> que falava AgostinhoNeto), <strong>de</strong>sestrutura<strong>da</strong> <strong>da</strong>s práticas sociais vigentes e critica<strong>da</strong> na <strong>obra</strong>.264Alegava-se que a carne era <strong>de</strong>stina<strong>da</strong> a cães que, por serem “estatais”, comeriam todos os dias.E-book CEAUP 2007
<strong>Na</strong>(<strong>rra</strong>)ção satírica e humorística: uma <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel RuiA expressão máxima <strong>de</strong>ssa utopia (265) é anuncia<strong>da</strong> por Beto que,reunido com os filhos <strong>de</strong> Diogo, no momento em que respon<strong>de</strong> a Ruca,questiona “- Vocês não gostariam <strong>de</strong> ser on<strong>da</strong>?”. Diante <strong>de</strong>sta perspectiva<strong>de</strong> utopia libertária, <strong>de</strong> evasão, Zeca acrescenta “On<strong>da</strong> on<strong>de</strong> ninguémama<strong>rra</strong> com cor<strong>da</strong>” (266) .A criança “anseia pela força telúrica para o exercício <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>,para vencer o mal, impor o bem. Mas, porque propensa ao maravilhosoe ao fantástico, à visão cósmica, à energia transformadora <strong>da</strong> poética doslápis <strong>de</strong> cor, também se <strong>de</strong>ixa absorver pela máscara carnavalesca. A fantasiaporém não lhes cega a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>” (Hilário:2006:91). A comemoraçãodo Carnaval, enquanto festivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, contrasta com o estado <strong>de</strong> espírito<strong>da</strong>s crianças que temem pelo <strong>de</strong>stino do porco, com o mesmo nome.A frase, que dá nome ao livro, exprime o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça, o po<strong>de</strong>r<strong>da</strong> força do mar não se po<strong>de</strong> reprimir. Recorrente, na <strong>obra</strong> <strong>de</strong> ManuelRui, nomea<strong>da</strong>mente na poesia, a palavra “on<strong>da</strong>” significa, conforme sublinhaAna Maria Martinho (1986:36), a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> “<strong>de</strong>nunciar vícios e<strong>de</strong>smistificar dogmas, o que traduz, no fundo, a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> autocrítica<strong>de</strong> um sistema” (267) .Mas, neste mar <strong>de</strong> ilusões e frustrações, o leitor questiona: Afinalon<strong>de</strong> está a utopia? Será simples espuma <strong>de</strong>svaneci<strong>da</strong>?O mar (268) , antigo símbolo <strong>da</strong> travessia colonizadora, é transformadoem lugar <strong>de</strong> esperança, em embrião <strong>de</strong> uma nova nação.O livro ence<strong>rra</strong>, precisamente, com esta filosofia <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> e esperança(“fúria lin<strong>da</strong>”), através do retomar <strong>da</strong> expressão por Beto.265A utopia realizável tanto no seu sentido horizontal (“contemplando o espaço geopolítico her<strong>da</strong>dodo colonialismo e a integração <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s periféricas, tradicionais, na angolani<strong>da</strong><strong>de</strong>”), como vertical(“a funcionali<strong>da</strong><strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> forma a evitar a formação <strong>de</strong> novas elites”). Venâncio, José Carlos, Literaturae Po<strong>de</strong>r na África Lusófona, Lisboa, ICAL, 1992.266“Os outros perceberam. Zeca tinha voltado o olhar lá bem no fundo nos contornos <strong>da</strong> Corimba.Território <strong>de</strong> “Carnaval <strong>da</strong> vitória”. Livre. Vadio na chafur<strong>da</strong> <strong>de</strong>spreocupa<strong>da</strong>” (p. 60).267Em Um anel na areia, o mar e Kian<strong>da</strong>, a sua ilustre moradora, são focalizados. Marina, cujo nometambém inscreve o mar, vive nesse mundo dominado pelo mesmo, em que fantasia e reali<strong>da</strong><strong>de</strong> se unempara <strong>da</strong>r uma nova visão do real. Em Rioseco, Zacaria afirma: “Os rios é que enchem o mar. O mar é sóassim por causa dos rios que lhe trazem a água (...) Não há mar sem rio”, nesta perspectiva o mar é resultadosdos rios, diversos como as etnias, usos e costumes <strong>de</strong> Angola. Ele é a síntese <strong>da</strong> te<strong>rra</strong>.268O mar funciona como o símbolo <strong>da</strong> dinâmica <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> inconstância. Tudo sai do mar e tudo aele volta. Com as suas águas em movimento, o mar simboliza um estado transitório entre o que é possívele o que é real, uma situação <strong>de</strong> incerteza, <strong>de</strong> dúvi<strong>da</strong>, <strong>de</strong> in<strong>de</strong>cisão que po<strong>de</strong> acabar bem ou mal. O mar é aimagem <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> morte. Cf. Chevalier et Gheerbrant (1994).1232007 E-BOOK CEAUP
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