Marta <strong>de</strong> Oliveira<strong>da</strong>. Verificamos, <strong>de</strong>sta forma, aquela que é uma <strong>da</strong>s características doEstado pós-colonial, a que Venâncio (2004) faz alusão na sua análise <strong>de</strong>Jaime Bun<strong>da</strong> Agente Secreto <strong>de</strong> Pepetela, ou seja, o “sindroma do centralismoluan<strong>de</strong>nse”, a “arrogância” <strong>de</strong> alguns habitantes <strong>da</strong> capital sobre orestante território, idiossincrasia que Diogo partilha (163) .A estrutura enunciativa orienta-se, <strong>de</strong>sta forma, numa perspectivacrítica relativamente aos valores materialistas que dão voz ao individualismomo<strong>de</strong>rno urbano, ao egoísmo e à corrupção <strong>de</strong> uma burguesiaemergente, cuja má consciência se revela:“– Pai – interveio Ruca –, mas a camara<strong>da</strong> professora disse que o que épreciso é mais milho e mandioca para o povo <strong>da</strong>s províncias e que lá no matonem chega cerveja.– Diz à tua professora que isso é maka <strong>de</strong> campesinato, eu sou revolucionário<strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>”.(p. 56)68Parece-nos que, tal como afirma Inocência Mata (1997:39-40), “asátira <strong>de</strong> Quem me <strong>de</strong>ra ser on<strong>da</strong> é militante e combativa procurando<strong>de</strong>molir um statu quo, uma i<strong>de</strong>ia e uma cultura: aquela cultura social,prenhe <strong>de</strong> uma mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> nepotismo, <strong>da</strong> “cunha” do (ab)uso dopo<strong>de</strong>r e tudo numa circulari<strong>da</strong><strong>de</strong> viciosa: o excesso <strong>de</strong> burocracia originaa “cunha” para ultrapassar a burocracia, esta para evitar a corrupção e onepotismo e este <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> organização do po<strong>de</strong>r político eassim por diante...” (164) .Os problemas focados serão diversos: bichas, lojas vazias, más condições<strong>de</strong> vi<strong>da</strong> – falta <strong>de</strong> electrici<strong>da</strong><strong>de</strong>, elevador, telefone e abastecimento<strong>de</strong> água.163Este tipo <strong>de</strong> discurso verifica-se, sobretudo, nas elites, nas classes média e média-alta, <strong>de</strong>notandouma concepção jacobina, unitária e centralizadora do Estado, numa herança viabiliza<strong>da</strong> pela relação colonial.Preten<strong>de</strong>ndo significar que o Estado pós-colonial continua entregue às chama<strong>da</strong>s elites coloniais,ouseja, as que cresceram no período colonial. Cf. Venâncio, José Carlos, Jaime Bun<strong>da</strong> versus sem medo. <strong>Na</strong>cionalismoe estado pós-colonial em Angola no registo <strong>de</strong> um dos seus escritores”, in IV Congrés d´EstudisAfricans <strong>de</strong>l Món Ibèric. África camina. Barcelona 12 a 15 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2004. Disponível on-line em www.africa.catalunya.org/congres/pdfs/venancio.pdf. Acesso em Fevereiro <strong>de</strong> 2004.164Mata, Inocência, “A natureza e o núcleo simbólico <strong>da</strong> <strong>Na</strong>ção na literatura angolana”, in Cristovão,Fernando [et alli], <strong>Na</strong>cionalismo e regionalismo nas literaturas lusófonas, Lisboa, Edições Cosmos, 1997.E-book CEAUP 2007
<strong>Na</strong>(<strong>rra</strong>)ção satírica e humorística: uma <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel RuiConforme Helena Riaúzova (s/d:53) aponta: “a novela angolana<strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 70 princípios <strong>de</strong> 80 está subordina<strong>da</strong> a um objectivocomum: reflectir os aspectos <strong>da</strong> prática <strong>da</strong> construção do socialismoem Angola in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”.Desta forma, a na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel Rui dá conta <strong>de</strong> um realismosociológico, a que já nos referimos, através <strong>de</strong> um registo irónico, sarcásticoque <strong>de</strong>scortina o <strong>de</strong>sajuste social.A <strong>da</strong><strong>da</strong> altura, quando a mulher suspeita que Diogo se <strong>de</strong>ixa levarpelo tribalismo (165) – Ele respon<strong>de</strong>:“Tribalismo! Deixa lá os ismos, mulher, que isso não enche a barriga.Ismo é peixefritismo, fungismo e outros ismos <strong>da</strong> barriga do povo. E tribalistaé quem combate os ismos <strong>da</strong> barriga do povo, como esse Faustino. É porisso que isto não an<strong>da</strong> para a frente e eu é que <strong>de</strong>via falar na rádio e não essesberenguéis simonescos (166) ”.(p. 9-10)<strong>Na</strong>turalmente que o leitor percebe, por trás dos ismos: socialismo,comunismo, marxismo, nacionalismo, racismo, tribalismo, i<strong>de</strong>alismo165Gonçalves (2003) refere que “todos os sistemas <strong>de</strong> dominação em África exploraram e manipularamas pertenças étnicas, interiorizando os estereótipos <strong>da</strong> etnologia colonial: a “diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> tribal” serve<strong>de</strong> argumento para recusar o plurialismo político com o pretexto que este não seria mais do que expressão<strong>da</strong>quela”. Em Angola, “nas vésperas <strong>da</strong> in<strong>de</strong>pendência, consumou-se a tripolarização, pela competiçãoviolenta entre três movimentos <strong>de</strong> libertação recrutados com base étnica ou regional: os Mbundo, osBakongo e os Ovimbundo, culminando nas convulsões étnicas <strong>de</strong> 1975 antes <strong>da</strong> in<strong>de</strong>pendência”. Gonçalves,Custódio, 2003, op. cit. p. 12.O mesmo autor afirma (2001:15) que a chega<strong>da</strong> do MPLA ao po<strong>de</strong>r coinci<strong>de</strong> com o afastamento dosBakongo e dos Ovimbundo. Consoli<strong>da</strong>va-se, assim, o confronto entre a corrente <strong>da</strong> “revolução” e <strong>da</strong>s elites intelectuaise a corrente tribalista”. Gonçalves, António Custódio, África Subsariana Multiculturalism, Powers andEthnicites in África, Porto, Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras e Centro <strong>de</strong> Estudos Africanos <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Porto, 2001.“Destes três movimentos o MPLA é o único <strong>de</strong> raiz marxista e <strong>de</strong> matriz não tribalista –o que está longe<strong>de</strong> evitar as fracturas resultantes <strong>da</strong> consciência tribal”. Teixeira, Rui <strong>de</strong> Azevedo, Batalhas <strong>da</strong> História <strong>de</strong>Portugal – Gue<strong>rra</strong> <strong>de</strong> África – Angola, Lisboa, Aca<strong>de</strong>mia Portuguesa <strong>de</strong> História, 2006, Vol. 22, p. 77.Em Mayombe <strong>de</strong> Pepetela (1993) a questão do tribalismo é, inúmeras vezes, base <strong>de</strong> acesas discussõesentre os elementos <strong>de</strong> etnias distintas. O dirigente <strong>de</strong>fine o conceito nos seguintes termos: “o tribalismo éum fenómeno objectivo e que existe em todo o lado. O curioso é que... sei lá! Pega num grupo que aqui sejatribalista, separa-o e espalha-o noutra Região. Serão os primeiros a gritar contra o tribalismo. / –Estarãoem minoria –disse Sem Medo. –Aqui vemos que camara<strong>da</strong>s que estão isolados, pois são os únicos <strong>da</strong> sua regiãoaqui, esses camara<strong>da</strong>s aparentam ser <strong>de</strong>stribalizados. Digo bem, aparentam, pois não sei se voltando àregião <strong>de</strong> origem, on<strong>de</strong> serão portanto maioritários, eles não voltem ao tribalismo”. I<strong>de</strong>m, p. 178.166Refere-se a Manuel Berenguel e Francisco Simon, dois radialistas muito populares <strong>da</strong> Rádio Oficial,já antes <strong>da</strong> libertação. Hilário, Fernando, op. cit. p. 38.692007 E-BOOK CEAUP
- Page 3:
Na(rra)ção satíricae humorístic
- Page 7 and 8:
ÍNDICEIntrodução 1701. ParteOs
- Page 9:
“Leituras! Leituras!Como quem diz
- Page 13 and 14:
Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 15:
Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 18 and 19: Marta de Oliveira18contextualizaç
- Page 20 and 21: Marta de Oliveira“Burguesismos”
- Page 23: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 26 and 27: Marta de Oliveiraproporcionada aqua
- Page 28 and 29: Marta de Oliveira28UNITA) e o zaire
- Page 30 and 31: Marta de Oliveira30Os problemas dei
- Page 32 and 33: Marta de Oliveirasemelhantes às qu
- Page 34 and 35: Marta de OliveiraFICÇÃO NARRATIVA
- Page 36 and 37: Marta de OliveiraNegritude em Fran
- Page 38 and 39: Marta de Oliveirabundo (49) , perso
- Page 40 and 41: Marta de Oliveiralista (60) , por o
- Page 42 and 43: Marta de Oliveira42o riso, já que
- Page 44 and 45: Marta de Oliveiraou a sorrirmos com
- Page 46 and 47: Marta de OliveiraAlvim (90) , perso
- Page 48 and 49: Marta de OliveiraDa Palma da Mão (
- Page 50 and 51: Marta de Oliveiradores e suas falas
- Page 52 and 53: Marta de OliveiraA ESCOLA DO REAL
- Page 54 and 55: Marta de Oliveira- Quem me dera ser
- Page 56 and 57: Marta de OliveiraSe o disse, melhor
- Page 58 and 59: Marta de Oliveira58lores veiculados
- Page 60 and 61: Marta de Oliveira60O crítico socia
- Page 63: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 66 and 67: Marta de Oliveira66procura equacion
- Page 70 and 71: Marta de Oliveira70ou burguesismo,
- Page 72 and 73: Marta de Oliveira“Merdas de peque
- Page 74 and 75: Marta de Oliveirasiderando a profes
- Page 77 and 78: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 79 and 80: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 81 and 82: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 83 and 84: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 85 and 86: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 87 and 88: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 89 and 90: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 91 and 92: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 93 and 94: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 95 and 96: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 97 and 98: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 99 and 100: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 101 and 102: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 103 and 104: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 105 and 106: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 107 and 108: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 109 and 110: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 111 and 112: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 113 and 114: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 115 and 116: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 117 and 118: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 119 and 120:
Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 121 and 122:
Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 123 and 124:
Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 125 and 126:
Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 127 and 128:
Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 129 and 130:
Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 131 and 132:
Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 133:
Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 136 and 137:
Marta de Oliveira136É iniludível,
- Page 138 and 139:
Marta de OliveiraA sigla, que de ce
- Page 140 and 141:
Marta de Oliveirasão literária do
- Page 142 and 143:
Marta de OliveiraDA PÁGINA AO PALC
- Page 144 and 145:
Marta de Oliveira144e como tal “a
- Page 146 and 147:
Marta de OliveiraCom efeito, como b
- Page 148 and 149:
Marta de Oliveirapressa, mas sem co
- Page 150 and 151:
Marta de OliveiraCONCLUSÃO“Where
- Page 152 and 153:
Marta de Oliveira152contínuo e con
- Page 154 and 155:
Marta de OliveiraHomem do seu tempo
- Page 156 and 157:
Marta de OliveiraII. Bibliografia p
- Page 158 and 159:
Marta de OliveiraFERNANDES, J. A. S
- Page 160 and 161:
Marta de OliveiraMATA, Inocência,
- Page 162 and 163:
Marta de Oliveiraportuguesa nos tr
- Page 164 and 165:
Marta de OliveiraENTREVISTA A MANUE
- Page 166 and 167:
Marta de OliveiraPor vezes, quando
- Page 168 and 169:
Marta de Oliveiraa viúva. Ele pode