Marta <strong>de</strong> Oliveira“Feijó, vítima do segredo e do mujimbo, enquanto irremediavelmentedo não-pensar, pensando irremediavelmente”. Henrique Feijó vive atormentadopelo mujimbo, não sabendo como se posicionar perante o ditoe o não dito.Feijó, como personagem plana (Aguiar e Silva: 1997), não alteraráo seu comportamento, no <strong>de</strong>curso do romance, servindo, <strong>de</strong>sta forma, acaricatura e a sua natureza cómica e humorística.Feijó servirá ain<strong>da</strong> os parâmetros enunciados por Bergson (1993),na linha dos diferentes cómicos: <strong>de</strong> personagem, formas (gestos e movimentos),acções e situações.O cómico <strong>de</strong> personagem resulta <strong>da</strong> maneira <strong>de</strong> ser e <strong>de</strong> se comportar.Assim, pela sua preocupação exagera<strong>da</strong> em manter o segredo acabapor exemplificar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, este tipo <strong>de</strong> cómico.Também os tiques que possui, ilustram este tipo <strong>de</strong> cómico, nomea<strong>da</strong>menteno “tic antigo <strong>de</strong> se coçar entre as pernas” (198) .O cómico <strong>de</strong> situação surge quando, no <strong>de</strong>correr <strong>da</strong> na<strong>rra</strong>tiva, umapersonagem é coloca<strong>da</strong> numa situação ridícula. Ora, este cómico torna--se visível logo nas primeiras páginas em que Feijó, enlameado, temepela sua integri<strong>da</strong><strong>de</strong>:“E, no momento em que retirava as chaves, a pasta veio <strong>de</strong>mais, ain<strong>da</strong>quis fixar a mão direita sobre a pasta mas esta acabou por cair aberta e Feijóa escorregar e tombar <strong>de</strong> joelhos sobre o charco enlameado[...]-“Ain<strong>da</strong>acabo no tê-pê-erre e ninguém vai acreditar nesta estória”.(p. 11)78A obsessão é <strong>de</strong> tal or<strong>de</strong>m que Feijó acaba vítima <strong>de</strong> um “síndromasituacional”, cuja solução, semelhante à <strong>de</strong> outros que pa<strong>de</strong>cem domesmo “mal” (199) , será uma viagem à Roménia. Aga<strong>rra</strong>-se, <strong>de</strong>sta forma,a referências i<strong>de</strong>ológicas toma<strong>da</strong>s lugares comuns, tais como a viagemreferi<strong>da</strong> e uma certa aversão em relação a Portugal.198Note-se que este tique aumenta, quando Feijó está mais irrequieto e nervoso.199Segundo o médico que observa Feijó.E-book CEAUP 2007
<strong>Na</strong>(<strong>rra</strong>)ção satírica e humorística: uma <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel RuiEm casa, a mulher, Joaninha, também vive obceca<strong>da</strong>, mas por umadieta, recomen<strong>da</strong><strong>da</strong> pela prima <strong>de</strong> Lisboa (200) , que é, constantemente,quebra<strong>da</strong>, ou por falta <strong>de</strong> “condições” e/ou “vonta<strong>de</strong>”:“Joaninha tendo terminado [<strong>de</strong> comer] em não po<strong>de</strong>r mais se <strong>de</strong>batianum rebate <strong>de</strong> consciência pela afronta cometi<strong>da</strong> contra o rigor <strong>da</strong>s regras<strong>da</strong> dieta, banha<strong>da</strong> em suor e com aquele pequenino senão <strong>de</strong> azia que ovinho produzia sobre o arroto miudinho e comedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>ndém”.(p. 52)Segundo Venâncio (1996b: 108), o <strong>de</strong>senrolar <strong>da</strong> acção baseia-se em“três lógicas” do estrato social <strong>da</strong> “pequena burguesia urbana” protagoniza<strong>da</strong>por: Feijó, Dona Joaninha e Adérito, respectivamente.O primeiro com um comportamento idêntico ao <strong>de</strong> Diogo <strong>de</strong> Quemme <strong>de</strong>ra ser on<strong>da</strong>; a segun<strong>da</strong> “vivia preocupa<strong>da</strong> com a sua figura e, porisso, passava o tempo a suspirar por um médico português que estiveraem Angola e que dispunha <strong>de</strong> um método <strong>de</strong> emagrecimento que se ajustavaao seu caso”; o último “não se cansava <strong>de</strong> repetir a Lun<strong>da</strong>mo, seucolega <strong>de</strong> <strong>de</strong>partamento, que tinha uma formação superior à <strong>de</strong> Feijó. Aeste, porém, na<strong>da</strong> dizia, limitava-se a acatar-lhe as or<strong>de</strong>ns e alimentar o<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> regressar a Paris e aí escrever a tese, não <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> comprar,pelo caminho, um carro, uma aparelhagem estereofónica e um minicomputador”(i<strong>de</strong>m: ibi<strong>de</strong>m).O mesmo autor (1992a: 54) refere-se ain<strong>da</strong> a uma quarta lógica, ados sobrinhos <strong>de</strong> Feijó, mas esta não seria representativa <strong>da</strong> “mentali<strong>da</strong><strong>de</strong>urbana”. “Pelo contrário. Os garotos, órfãos <strong>de</strong> pai, entretanto mortona gue<strong>rra</strong> civil, divertiam-se pela cala<strong>da</strong> com os valores e o comportamentodo tio”.Assim sendo, a personagem <strong>de</strong> Feijó afigura-se-nos “toca<strong>da</strong> pela superficiali<strong>da</strong><strong>de</strong>:correspon<strong>de</strong> ao estrato social a que pertence. O chefe doescritório, não se diz na<strong>da</strong> se é corrupto... Tem um comportamento familiarmais ou menos cliché... O tracejado do perfil <strong>de</strong>le só está esboçado,fica para ser completado pelo lápis do leitor” (Laban: 1991: 735).79200Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> que preten<strong>de</strong> visitar, para ir à consulta do tão <strong>de</strong>sejado médico nutricionista, aproveitandopara ver a prima. Joaninha representa o protótipo do pequeno burguês.2007 E-BOOK CEAUP
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