Marta <strong>de</strong> OliveiraA sigla, que <strong>de</strong> certa forma constitui um grau <strong>de</strong> abstracção, é <strong>de</strong>sfeitapelo escritor: “Ce-pê-pê-á; Ó-dê-pê (285) ; vê-dê...” (Quem me <strong>de</strong>ra seron<strong>da</strong>, “De Um Comba”); “pê-bê-xis; u-é-éme; dê-erre; tê-pê-erre...” (Crónica<strong>de</strong> Um Mujimbo), “tê-esse” (“De Um Comba”) obtendo, <strong>de</strong>sta forma,uma certa parodização <strong>da</strong> língua portuguesa.O uso do diminutivo assume significados distintos, ora <strong>de</strong>tém um carácterirónico (286) : “vai<strong>da</strong><strong>de</strong>zinha” (“De Um Comba”: 37), on<strong>de</strong> o sentidopejorativo é possibilitado pelo sufixo –inha, aludindo <strong>de</strong>preciativamenteà pequenez moral <strong>de</strong> Dona Vaca; ora é utilizado para <strong>de</strong>stacar algunsaspectos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s personagens, em favor <strong>de</strong>sta observação,po<strong>de</strong>mos aduzir o exemplo <strong>de</strong> Joaninha, na seguinte passagem napraia:“Tudo direitinho (287) , Joaninha iniciou a arrumação nos taparueres etérmicas.”(p. 50)138Neste caso, contrariamente ao efeito que o diminutivo produz na caracterização<strong>de</strong> Dona Vaca (288) , o seu emprego dá conta <strong>da</strong> preocupaçãoe do carinho empreendidos pela personagem na relação com marido efilho e, consequentemente, na arrumação do farnel.Também o advérbio <strong>de</strong> modo confere um maior animismo e vitali<strong>da</strong><strong>de</strong>ao universo na<strong>rra</strong>tivo: “sempremente”; “principalmente”; “comedi<strong>da</strong>mente”(Crónica <strong>de</strong> Um Mujimbo); “atoamente”; “repentinamente”;“negligentemente” (“De Um Comba”) sugere ain<strong>da</strong> características dosujeito ao qual se refere “(...) a repuxar as pregas <strong>da</strong> saia virginalmentebranca” (Crónica <strong>de</strong> Um Mujimbo) (289) .Se aten<strong>de</strong>rmos no emprego do advérbio “sempremente”, verificamosque a expansão <strong>da</strong> palavra primitiva – “sempre” possibilitou a obtenção <strong>de</strong>um novo vocábulo, cuja expressivi<strong>da</strong><strong>de</strong> só po<strong>de</strong>ria ser <strong>da</strong><strong>da</strong> por perífrase.Assim, constatamos uma <strong>da</strong>s múltiplas inovações empreendi<strong>da</strong>s nas <strong>obra</strong>s285Os cargos são parodiados, <strong>de</strong>sta forma, pela transcrição <strong>da</strong>s siglas.286Tal como no escritor realista Eça <strong>de</strong> Queirós.287Negrito nosso.288Cf. capítulo “As personagens e sua significação”.289Negrito nosso.E-book CEAUP 2007
<strong>Na</strong>(<strong>rra</strong>)ção satírica e humorística: uma <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel Rui(mestiçagem linguística), não só em relação ao sistema do português europeupadrão, como também em relação ao português <strong>de</strong> Angola.A adjectivação é, por vezes, binariamente objectiva e subjectiva,<strong>da</strong>ndo a pequena nota <strong>de</strong> uma escala <strong>de</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>scrita e <strong>de</strong>scritiva.No que concerne aos tempos verbais, estes oscilam, predominantemente,entre o pretérito perfeito e imperfeito (290) , quer se trate <strong>de</strong> um momentona<strong>rra</strong>tivo ou <strong>de</strong>scritivo, respectivamente. Sendo que, o gerúndio é váriasvezes utilizado para veicular o carácter durativo <strong>da</strong> acção transmiti<strong>da</strong>:“Outras ficavam por ali mais tempo, ouvindo, comentando, comendo,bebendo e <strong>da</strong>ndo opinião” (291) .(“De Um Comba”, p. 66)O na<strong>rra</strong>dor traz, para a literatura, a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira linguagem, atravésdo uso <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m directa, corrente <strong>da</strong>s personagens, tirando partido dovocabulário habitual. Serve-se <strong>da</strong> linguagem familiar, natural e simples,chegando a recorrer ao calão.Desta forma, Manuel Rui dá entra<strong>da</strong> às palavras humil<strong>de</strong>s, quotidianase até às que são consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s “ordinárias”.Assim, a falta <strong>de</strong> estrutura psicológica <strong>de</strong> algumas personagens écompensa<strong>da</strong> pelo po<strong>de</strong>r evocativo e <strong>de</strong>scritivo que a sua fala lhes empresta.To<strong>da</strong>s possuem a sua linguagem que as <strong>de</strong>fine socialmente. Paraalém disso, o discurso indirecto confere simplici<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas também vivaci<strong>da</strong><strong>de</strong>ao texto.Por sua vez, o discurso indirecto livre (292) possibilita a impressão domesmo fora do diálogo, ouvir falar a personagem, aproximar a expres-cit. p. 100.290Jogando, <strong>de</strong>sta forma, a na<strong>rra</strong>tiva entre o resolvido (mal) e o inacabado. Hilário, Fernando, op.291Negrito nosso.292Mieke Bal i<strong>de</strong>ntifica o discurso indirecto livre quando “el texto <strong>de</strong>l na<strong>rra</strong>dor indica explicitamenteque las palavras <strong>de</strong> un actor se na<strong>rra</strong>n por médio <strong>de</strong> un verbo <strong>de</strong>clarativo y una conjunción, o algo quelos substituya”. Bal, Mieke, Teoria <strong>de</strong> la na<strong>rra</strong>tiva (una introducción a la na<strong>rra</strong>tologia), Madrid, Cátedra,1985, p. 145.Por sua vez, Celso Cunha e Lindley Cintra <strong>de</strong>finem o discurso indirecto livre como a “forma <strong>de</strong> expressãoque, em vez <strong>de</strong> apresentar o personagem em sua voz própria (discurso directo), ou <strong>de</strong> informarobjectivamente o leitor sobre o que ele teria dito (discurso indirecto), aproxima na<strong>rra</strong>dor e personagem,<strong>da</strong>ndo-nos a impressão <strong>de</strong> que passam a falar em uníssono(...)”. Cunha, Celso et Cintra, Lindley, NovaGramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá <strong>da</strong> Costa, 1997, p. 635.1392007 E-BOOK CEAUP
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