Marta <strong>de</strong> OliveiraEm “De Um Comba”, Dona Márcia é a esposa fiel, humil<strong>de</strong>, crente,submissa e <strong>de</strong>dica<strong>da</strong> aos seus princípios <strong>de</strong> fé e religião, não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong>fazer criticas e acusações:“To<strong>da</strong> enluta<strong>da</strong>, véu, luva, meia, sapato preto, salientou-se na cabeceirado falecido, an<strong>da</strong>ndo <strong>de</strong> costas, mãos para o céu (...) fui a tua mulher fiel(...) eu tinha <strong>de</strong> dizer isto aqui no cemitério em frente a estes responsáveis<strong>de</strong> tuji que a<strong>rra</strong>njaram casa na habitação para essa Dona Vaca, eles mesmosé que lhe puseram o nome e ain<strong>da</strong> te meteram num caixão pior que um semfamília maluco dos contentores”.(pp. 43-44)Por outro lado, Dona Vaca é a personificação <strong>da</strong> mulher adúltera, <strong>da</strong>íque ao não ser mencionado o seu nome a crítica seja vela<strong>da</strong> a to<strong>da</strong>s asmulheres praticantes <strong>de</strong> adultério.Diversos são os adjectivos que a sua <strong>de</strong>scrição nos permite evi<strong>de</strong>nciar:extravagante, esplendorosa, exuberante, altiva, elegante, atraente,rica e sociável.De facto, a sua primeira <strong>de</strong>scrição é bastante significativa e ilustrativa<strong>da</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong> que corrobora:130“... tocando com segurança no jeito <strong>de</strong> pisar segura a calça<strong>da</strong>, pisarassim proposita<strong>da</strong>mente pisado, firme e provocante, uma quarentona pesa<strong>da</strong>como que abriu alas com seu vestido comprido. Azul sedoso. Com discreto<strong>de</strong>cote tentador por isso anunciando os seios gran<strong>da</strong>lhões como dois penedosimpostos nas cabeças solenes dos homens boquiabertos. Com a <strong>de</strong>labem ergui<strong>da</strong>, exibindo-se, para quem bem quisesse ver, numa peruca lisa,<strong>de</strong> enrolar em cima. Depois, a testa a franzir <strong>de</strong> intenção <strong>de</strong> quem distrai importância,rosto vitória, olhos límpidos, bem abertos, fixos e sem lágrimas.Rosto <strong>de</strong> atrair nas coisas. De mulher. Pescoço com cordões <strong>de</strong> ouro. Três. Eum crucifixo em prata, <strong>de</strong>stacado em seu tamanho no caminho entre as duasproeminências <strong>de</strong> seios”.(p. 44)Repare-se que todo o vocabulário utilizado evi<strong>de</strong>ncia os traços quenos permitem <strong>de</strong>duzir a sua personali<strong>da</strong><strong>de</strong>. A segurança com que pisaa “calça<strong>da</strong>”, e atente-se no valor do advérbio <strong>de</strong> modo “proposita<strong>da</strong>-E-book CEAUP 2007
<strong>Na</strong>(<strong>rra</strong>)ção satírica e humorística: uma <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel Ruimente”, ou seja, com intenção <strong>de</strong> chamar a atenção para a sua própriafigura; os adjectivos “firme e provocante” vêm corroborar essa mesmaafirmação <strong>de</strong> carácter; o próprio azul “sedoso”, o “discreto <strong>de</strong>cote” quese transforma em “tentador” para aqueles que a observam.O carácter sublimemente irónico do na<strong>rra</strong>dor é possibilitado pelaexpressão “cabeças solenes”, atente-se no adjectivo utilizado para caracterizaraqueles “homens boquiabertos”.Dona Vaca acaba por se revelar fútil, leviana, sensual, exibicionista etriunfante, com os “olhos límpidos”, “abertos”, “fixos”, atraia os que a ro<strong>de</strong>iam.Destaque-se ain<strong>da</strong> os “três” cordões que traz com um “crucifixo”.A opção pelo número “três” (276) (cordões), não nos parece inocente,nem casual. O número “três” que tantas vezes remete para o sagrado, aperfeição e o sublime, foi utilizado ironicamente pelo na<strong>rra</strong>dor.Dona Vaca <strong>de</strong>staca-se quer <strong>da</strong> mulher do falecido (277) , quer <strong>de</strong> outraamante que aparece no funeral. A primeira diferencia-se pela sua posturaeleva<strong>da</strong>, enquanto a segun<strong>da</strong> <strong>de</strong>monstra uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sujeição:“<strong>Uma</strong> chorando <strong>de</strong> corpo vergado. Outra altiva, olhos absorvendo espaço,enfrentando tudo e remirando tudo e todos.”(p. 46)Dona Vaca mantém a sua postura <strong>de</strong> firmeza, superiori<strong>da</strong><strong>de</strong> e altivezem todos os momentos <strong>da</strong> <strong>obra</strong>, nomea<strong>da</strong>mente quando é observa<strong>da</strong>:“Desfilava pela aveni<strong>da</strong> com o carro que o amante lhe <strong>de</strong>ra. E seguravao volante com soberba, em atitu<strong>de</strong> intencional <strong>de</strong> mostrar-se nas luvas pretas.Assim que alcançou a aveni<strong>da</strong> <strong>de</strong> maior trânsito, diminuiu a veloci<strong>da</strong><strong>de</strong>,vidros abertos. Era mais que evi<strong>de</strong>nte. Todo o mundo lhe reparava. Apon-131276O número três é o número perfeito, que transmite po<strong>de</strong>r, concretização e êxito. Refira-se queo autor traz, por diversas vezes, a simbologia dos números para a na<strong>rra</strong>tiva. Assim, Ruca, Zeca e Beto(Quem me <strong>de</strong>ra ser on<strong>da</strong>) são as (três) crianças que personificam a realização <strong>da</strong> utopia. Em O manequime o piano chove por três dias e são ain<strong>da</strong> três as galinhas que Kalufebe mata para o almoço do reencontrocom o sobrinho. Também o número sete aparece, por exemplo, em Quem me <strong>de</strong>ra ser on<strong>da</strong>, revestido <strong>de</strong>simbologia, “Carnaval <strong>da</strong> Vitória nasceu <strong>de</strong> uma ninha<strong>da</strong> <strong>de</strong> sete” e “Diogo e a sua família viviam no “sétimoan<strong>da</strong>r” (negrito nosso), não nos <strong>de</strong>moraremos sobre a vasta simbologia <strong>de</strong>ste número, no entantoele parece associar nestes dois segmentos a posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque e ruptura com o instruído. Chevalier etGheerbrant (1994).277Tal como já fizemos alusão.2007 E-BOOK CEAUP
- Page 3:
Na(rra)ção satíricae humorístic
- Page 7 and 8:
ÍNDICEIntrodução 1701. ParteOs
- Page 9:
“Leituras! Leituras!Como quem diz
- Page 13 and 14:
Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 15:
Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 18 and 19:
Marta de Oliveira18contextualizaç
- Page 20 and 21:
Marta de Oliveira“Burguesismos”
- Page 23:
Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 26 and 27:
Marta de Oliveiraproporcionada aqua
- Page 28 and 29:
Marta de Oliveira28UNITA) e o zaire
- Page 30 and 31:
Marta de Oliveira30Os problemas dei
- Page 32 and 33:
Marta de Oliveirasemelhantes às qu
- Page 34 and 35:
Marta de OliveiraFICÇÃO NARRATIVA
- Page 36 and 37:
Marta de OliveiraNegritude em Fran
- Page 38 and 39:
Marta de Oliveirabundo (49) , perso
- Page 40 and 41:
Marta de Oliveiralista (60) , por o
- Page 42 and 43:
Marta de Oliveira42o riso, já que
- Page 44 and 45:
Marta de Oliveiraou a sorrirmos com
- Page 46 and 47:
Marta de OliveiraAlvim (90) , perso
- Page 48 and 49:
Marta de OliveiraDa Palma da Mão (
- Page 50 and 51:
Marta de Oliveiradores e suas falas
- Page 52 and 53:
Marta de OliveiraA ESCOLA DO REAL
- Page 54 and 55:
Marta de Oliveira- Quem me dera ser
- Page 56 and 57:
Marta de OliveiraSe o disse, melhor
- Page 58 and 59:
Marta de Oliveira58lores veiculados
- Page 60 and 61:
Marta de Oliveira60O crítico socia
- Page 63:
Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 66 and 67:
Marta de Oliveira66procura equacion
- Page 68 and 69:
Marta de Oliveirada. Verificamos, d
- Page 70 and 71:
Marta de Oliveira70ou burguesismo,
- Page 72 and 73:
Marta de Oliveira“Merdas de peque
- Page 74 and 75:
Marta de Oliveirasiderando a profes
- Page 77 and 78:
Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 79 and 80: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 81 and 82: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 83 and 84: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 85 and 86: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 87 and 88: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 89 and 90: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 91 and 92: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 93 and 94: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 95 and 96: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 97 and 98: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 99 and 100: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 101 and 102: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 103 and 104: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 105 and 106: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 107 and 108: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 109 and 110: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 111 and 112: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 113 and 114: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 115 and 116: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 117 and 118: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 119 and 120: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 121 and 122: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 123 and 124: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 125 and 126: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 127 and 128: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 129: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 133: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 136 and 137: Marta de Oliveira136É iniludível,
- Page 138 and 139: Marta de OliveiraA sigla, que de ce
- Page 140 and 141: Marta de Oliveirasão literária do
- Page 142 and 143: Marta de OliveiraDA PÁGINA AO PALC
- Page 144 and 145: Marta de Oliveira144e como tal “a
- Page 146 and 147: Marta de OliveiraCom efeito, como b
- Page 148 and 149: Marta de Oliveirapressa, mas sem co
- Page 150 and 151: Marta de OliveiraCONCLUSÃO“Where
- Page 152 and 153: Marta de Oliveira152contínuo e con
- Page 154 and 155: Marta de OliveiraHomem do seu tempo
- Page 156 and 157: Marta de OliveiraII. Bibliografia p
- Page 158 and 159: Marta de OliveiraFERNANDES, J. A. S
- Page 160 and 161: Marta de OliveiraMATA, Inocência,
- Page 162 and 163: Marta de Oliveiraportuguesa nos tr
- Page 164 and 165: Marta de OliveiraENTREVISTA A MANUE
- Page 166 and 167: Marta de OliveiraPor vezes, quando
- Page 168 and 169: Marta de Oliveiraa viúva. Ele pode