Marta <strong>de</strong> Oliveira58lores veiculados (145) . Alguns estudiosos chamariam a este particularismoestético: realismo africano (146) .Conforme o preconizado pelo ensaísta brasileiro António Candido(1987:163-164) “a ligação entre a literatura e a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> é percebi<strong>da</strong> <strong>de</strong>maneira viva quando tentamos <strong>de</strong>scobrir como as sugestões e influênciasdo meio se incorporam à estrutura <strong>da</strong> <strong>obra</strong> – <strong>de</strong> modo tão visceralque <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser propriamente sociais, para se tornarem a substânciado acto criador” (147) . Ora tal relação é compreendi<strong>da</strong> através <strong>da</strong> análise<strong>de</strong> textos significativos. Parece-nos que a <strong>obra</strong> <strong>de</strong> Manuel Rui se inserenestas observações sobre a forma como a ficção respon<strong>de</strong> <strong>de</strong> “maneiraviva” à referenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>.O autor traça parodicamente a ineficácia do sistema político e socialimplantado pelo MPLA, o nascimento <strong>de</strong> uma nova burguesia e a corrupçãorelaciona<strong>da</strong> com a má distribuição dos bens <strong>de</strong> primeira necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>no período a seguir à in<strong>de</strong>pendência (Cf. Quem me <strong>de</strong>ra ser on<strong>da</strong>), umasocie<strong>da</strong><strong>de</strong> tradicional em que a informação é indispensável, uma organizaçãopolítica burocratiza<strong>da</strong> que preten<strong>de</strong> sonegar aquela (Cf. Crónica<strong>de</strong> um Mujimbo), o adultério e a relação <strong>da</strong> burguesia com as instânciasdo po<strong>de</strong>r (“De Um Comba”).Numa linha realista, <strong>de</strong> escrita <strong>de</strong> testemunho real, a percepção própriado mundo circun<strong>da</strong>nte e a presença <strong>de</strong> registos diversos na enunciaçãoenriquecem a literatura <strong>de</strong> Manuel Rui, a voz do autor implícito reflectesobre as circunstâncias histórico-sociais, levando-nos a questionar, in<strong>da</strong>gar,problematizar e <strong>de</strong>bater o arco-íris temático que a sua <strong>obra</strong> ence<strong>rra</strong>.Já Helena Riaúzova (s/d) salientava a importância <strong>da</strong> ligação dos prosadoresangolanos com a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> nacional “em formação”, que a consi<strong>de</strong>ravamuma enti<strong>da</strong><strong>de</strong> separa<strong>da</strong> do carácter especificamente nacional,145“O objectivo estético, se bem que produto <strong>de</strong> uma época e enquadrando-se num contexto, transcen<strong>de</strong>as limitações do imediato, pela sua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> autonomia, projectando-se na utopia <strong>da</strong> intemporali<strong>da</strong><strong>de</strong>e do absoluto”. Laranjeira, Pires, De letra em riste – i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>, autonomia e outras questões na literatura<strong>de</strong> Angola, Cabo-Ver<strong>de</strong>, Moçambique e S. Tomé e Príncipe, Porto, Edições Afrontamento, 1992, p. 98.146“À circunstância <strong>de</strong> a ficção ser geralmente construí<strong>da</strong> sobre um fundo histórico ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro (co--existindo como que duas histórias paralelas, sendo uma ficção e outra reali<strong>da</strong><strong>de</strong>) constitui matéria bastantepara que críticos literários, africanistas, tivessem visto aí um particularismo estético que passarama <strong>de</strong>signar <strong>de</strong> realismo africano (...) por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong>le está um outro fenómeno, o do dualismo cultural”.Venâncio, José Carlos, Literatura versus socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. <strong>Uma</strong> visão antropológica do <strong>de</strong>stino angolano, Lisboa,Lisboa, Vega, 1992a, p. 49.147Candido, António, A educação pela noite & outros ensaios, São Paulo, Editora Ática, 1987.E-book CEAUP 2007
<strong>Na</strong>(<strong>rra</strong>)ção satírica e humorística: uma <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel Ruios escritores ascendiam, <strong>de</strong>sta forma, “a um nível mais alto, sublinhandoa essência <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a humani<strong>da</strong><strong>de</strong> que representam” (i<strong>de</strong>m: 88-89).Esta visão eminentemente crítica <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> do seu tempo resultaduma gran<strong>de</strong> preocupação em modificar as formas <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, renovar asmentali<strong>da</strong><strong>de</strong>s e transformar a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.O riso é, antes <strong>de</strong> tudo, uma correcção: “através <strong>de</strong>le se vinga a socie<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>da</strong>s liber<strong>da</strong><strong>de</strong>s pratica<strong>da</strong>s para com ela. Não atingiria o seu fim setrouxesse a marca <strong>da</strong> simpatia ou <strong>da</strong> bon<strong>da</strong><strong>de</strong>”(Bergson:1993:134).Manuel Rui é, em suma, escritor <strong>de</strong> atmosferas, on<strong>de</strong> o seu sentidosociológico (148) e reflexão crítica sobre a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna tornam-nonum dos nomes <strong>de</strong> relevo <strong>da</strong> literatura angolana.Neste sentido, o contexto assume importância acresci<strong>da</strong>, tal comorefere Aguiar e Silva (1997:296): “a dimensão contextual, atinente àsrelações externas do texto, representa a abertura do texto literário à historici<strong>da</strong><strong>de</strong>do homem, <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e do mundo, quer no momento <strong>da</strong>sua produção, quer no momento <strong>da</strong> sua recepção” (149) .Assim, a ca<strong>da</strong> passo vemos o na<strong>rra</strong>dor a surpreen<strong>de</strong>r em flagrantepequenos pormenores, gestos, vemo-lo ain<strong>da</strong> a estabelecer o contrasteentre as intimi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, observamo-lo a conduzir o diálogo entre as personagens-tipo<strong>de</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.A sátira, a ironia e o humor constituirão uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira mundividência,<strong>de</strong>cisivos factores <strong>de</strong> análise e <strong>de</strong> representação <strong>da</strong>s coisas, doshomens e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> (150) .É <strong>de</strong> Luan<strong>da</strong> que faz as <strong>leitura</strong>s críticas e traz os conflitos, que as tornarãoprofícuas.148Anozie (1970) <strong>de</strong>staca, no romance, o seu carácter aberto, cosmopolita e realista, na sua forma<strong>de</strong> expressão: “il [roman] s´accomo<strong>de</strong> d´ailleurs <strong>de</strong> tous les hasards <strong>de</strong>s changements sociaux, particulièrementà une époque où augmentent les facilités <strong>de</strong> l´education populaire et où règne un état <strong>de</strong> mobilitépsychique et sociale. Alors paraît évi<strong>de</strong>nt la fonction primordiale du roman comme art social, c´-est-à--dire comme une version orchestrée <strong>de</strong> réalité nouvelle ”. Anozie, Sun<strong>da</strong>y O., Sociologie du Roman Africain,Mayenne, Aubier-Montaigne, 1970, p. 15.149Aguiar e Silva, Vitor Manuel, Teoria <strong>da</strong> literatura, Coimbra, Almedina, 1997.150“A literatura e a cultura são valores ou subsistemas sociais que funcionam interligados, como umperfeito sistema <strong>de</strong> vasos comunicantes, interagindo uns com os outros sempre em busca <strong>de</strong> equilíbriosdinâmicos, assentes em rupturas no statu quo, criando o caos, como forma <strong>de</strong> revitalização, <strong>de</strong> renovação.Esse é o po<strong>de</strong>r do diálogo na e com a cultura que, a par <strong>da</strong> literatura, constitui um autêntico contra-po<strong>de</strong>r;o verso e o anverso <strong>de</strong>sse ser vivo chamado socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, tantas vezes alimentado até à sacie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Com tudo,menos cultura” Cristóvão, Conceição, “po<strong>de</strong>r, literatura e cultura”, in http://www.uea-angola.org, 2001.Acesso em Abril 2005.592007 E-BOOK CEAUP
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