Marta <strong>de</strong> OliveiraCom efeito, como bom observador realista, Manuel Rui (308) caracterizaas personagens com varia<strong>da</strong> notação <strong>de</strong> pormenores, pintando gentes,atitu<strong>de</strong>s, roupas e gestos (nível visual):“Os grupos distinguiam-se pela homogenei<strong>da</strong><strong>de</strong> no vestir, nos gestose até no tom <strong>de</strong> voz e na forma como ca<strong>da</strong> um havia chegado, com mais oumenos à vonta<strong>de</strong>”.(pp. 35-36)“Mais um Merce<strong>de</strong>s parou. E, primeiro e <strong>de</strong> rompante, dois militaresarmados. Só <strong>de</strong>pois saiu um homem com ares <strong>de</strong> mando. E, no fechar, ossol<strong>da</strong>dos batendo com força as portas <strong>da</strong> viatura, os presentes viraram logoa cabeça num só alvo, homens apertaram o casaco, ajeitaram casaco, ajeitaramgravata e mulheres apouparam perucas, tocaram lencinho no rosto,tudo num respeito que parecia automático”.(p. 37)O movimento <strong>da</strong>s personagens, numa “homogenei<strong>da</strong><strong>de</strong>” característica,remete-nos, concomitantemente, para a representação não <strong>de</strong> indivíduos,mas antes <strong>de</strong> grupos, enten<strong>da</strong>-se sociais. Atente-se no carácterpormenorizado, como “in loco”, que o escritor proporciona, numa sucessãorápi<strong>da</strong> <strong>de</strong> acontecimentos, consegui<strong>da</strong> pela coor<strong>de</strong>nação sindética,como se observássemos sem interrupção, uma sequência <strong>de</strong> actose imagens. O efeito é assim imediato: o dinamismo e a simultanei<strong>da</strong><strong>de</strong>característicos <strong>da</strong> linguagem cinematográfica (309) e teatral (310) .146308Claus Clüver (2001:359) afirma que “os escritores sempre tiveram tendência para atravessar nãoapenas as fronteiras nacionais e linguísticas mas ain<strong>da</strong> as que separam as artes”. Clüver, Claus, “EstudosInterartes: Introdução Crítica”, in Buescu, Helena [et alli] [org.], Floresta Encanta<strong>da</strong>. Novos Caminhos <strong>da</strong>Literatura Compara<strong>da</strong>, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2001.309Dorine Cerqueira argumenta que “o que caracteriza a cinematografia não é apenas o modo peloqual o homem se apresenta ao aparelho, é também a maneira pela qual, graças a esse aparelho, ele representapara si o mundo que o ro<strong>de</strong>ia”. Assim, estamos perante a école du regard, reflexo, movimento,ou melhor, “espectáculo reflectido com exactidão e apanhado continuamente em travelling”. Cerqueira,Dorine Daisy, Neo-realismo: a montagem cinematográfica no romance, Rio <strong>de</strong> Janeiro, AFE, 1980, p. 90.310Roland Barthes (1977:356) <strong>de</strong>staca a importância <strong>da</strong> simultanei<strong>da</strong><strong>de</strong> na <strong>de</strong>finição do conceito<strong>de</strong> teatrali<strong>da</strong><strong>de</strong>: “em <strong>de</strong>terminado ponto do espectáculo, você recebe ao “mesmo tempo” seis ou sete informações(vin<strong>da</strong>s do cenário, dos trajos, <strong>da</strong> iluminação, <strong>da</strong> localização dos actores, dos seus gestos, <strong>da</strong>sua mímica, <strong>da</strong> sua fala), mas algumas <strong>de</strong>ssas informações mantém-se (é o caso do cenário), enquantooutras giram (a fala, os gestos), estamos, pois, perante uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira polifonia informacional, e é isto ateatrali<strong>da</strong><strong>de</strong>”. Barthes, Roland, Ensaios críticos, Lisboa, Edições 70, 1977.E-book CEAUP 2007
<strong>Na</strong>(<strong>rra</strong>)ção satírica e humorística: uma <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel RuiEpstein (Op. cit. Cunha: 2004) (311) <strong>de</strong>staca uma série <strong>de</strong> exemplos literários,a que <strong>de</strong>nomina “estética <strong>de</strong> sucessão, rapi<strong>de</strong>z mental, sugestãoe proximi<strong>da</strong><strong>de</strong>” e que permitem uma analogia pertinente entre a literaturae o cinema. Ora, o excerto que transcrevemos <strong>de</strong>staca precisamenteestes aspectos <strong>de</strong>stacados por Epstein (i<strong>de</strong>m), nomea<strong>da</strong>mente, no efeito<strong>de</strong> simultanei<strong>da</strong><strong>de</strong> produzido, assim como na sucessão <strong>de</strong>scritiva dosfactos na<strong>rra</strong>dos.A visão <strong>de</strong> cineasta é possibilita<strong>da</strong> ao longo <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a <strong>obra</strong>, em alusãoa esta afirmação, tome-se outro exemplo – a <strong>de</strong>scrição do cortejo:“Os batedores <strong>da</strong> polícia iam à frente. Motos <strong>de</strong>vagar, só um pouco acimado ralanti. Luzes intermitentes mais uma sirene que controlava, à distância,qualquer hipótese <strong>de</strong> cruzamento <strong>de</strong> trânsito. Nessa or<strong>de</strong>m e disciplina doscarros an<strong>da</strong>rem, lentamente, seguindo a varredura dos batedores, o cortejoa chegar às portas do cemitério. <strong>Na</strong> imediação já a encontravam muitosautomóveis e uma caterva <strong>de</strong> gente, amontoa<strong>da</strong> em antecipação, na oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> entrarem primeiro no cemitério, antes <strong>da</strong>queles que vinham nocortejo. <strong>Na</strong>s roupas predominavam cores escuras, principalmente entre asmulheres, algumas sustentando ramos ou pequenas coroas <strong>de</strong> flores.Ouvia-se o abrir e fechar <strong>da</strong>s portas dos automóveis chegados nas primeirasposições <strong>da</strong> fila. Os ruídos dos sapatos sob a calça<strong>da</strong> <strong>de</strong> pedra. Ca<strong>da</strong>um procurando an<strong>da</strong>r mais <strong>de</strong>pressa, mas sem correr, na tentativa <strong>de</strong> alcançar,entre os primeiros, os portões, já <strong>de</strong>sce<strong>rra</strong>dos, do cemitério”.(p. 42)Neste excerto, à semelhança do anterior, como que provido <strong>de</strong> umalente minuciosa, o na<strong>rra</strong>dor <strong>de</strong>screve o cortejo fúnebre. O “ângulo <strong>da</strong>sfilmagens” revela uma panorâmica do funeral.Destaque-se novamente o predomínio <strong>da</strong> coor<strong>de</strong>nação sindética,numa fluência <strong>de</strong> ritmo rápido. Para além do ritmo, existe a cor (nívelvisual) “luzes intermitentes”, “escuras”, “flores”; o som (nível auditivo)“sirenes”, “motos”, “carros”, “gente”, “abrir e fechar <strong>da</strong>s portas”, “ruídodos sapatos”; o movimento (níveis visual e auditivo) “motos <strong>de</strong>vagar”,“carros [a an<strong>da</strong>r]lentamente”; “ca<strong>da</strong> um procurando an<strong>da</strong>r mais <strong>de</strong>-147311Cunha, João Manuel Santos, “Literatura e cinema”, 2004, in http//www.oolho<strong>da</strong>historia.ufba.br.Acesso em Agosto <strong>de</strong> 2006.2007 E-BOOK CEAUP
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