Marta <strong>de</strong> Oliveiradores e suas falas em directo, como se dá com a inaugural <strong>de</strong> Alfredo”(Laura Padilha:s/d) (110) . O efeito acaba por ser a intersecção do romancecom a teatrali<strong>da</strong><strong>de</strong> (111) que envolve os textos orais.A na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong>screve a chega<strong>da</strong> e permanência na província doHuambo (112) <strong>de</strong> dois ex-coronéis angolanos – Alfredo e Van<strong>de</strong>r –, <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> termina<strong>da</strong> a gue<strong>rra</strong> civil, com o objectivo <strong>de</strong> começarem umavi<strong>da</strong> nova. A visão, logo à chega<strong>da</strong>, <strong>de</strong> um manequim nu, na montra<strong>de</strong> uma loja, revelar-se-á <strong>de</strong>terminante para o <strong>de</strong>senrolar <strong>da</strong> intriga.Assim, há to<strong>da</strong> uma série <strong>de</strong> relações que vão sendo estabeleci<strong>da</strong>sentre o “manequim” (<strong>da</strong> loja <strong>de</strong> um “mais velho”, e que se encontravanuma montra com o vidro estilhaçado em pe<strong>da</strong>ços) (113) , o “piano” (<strong>de</strong>dona Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Melo, que os protagonistas ouviam, apreciavam ecomo que sentiam a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se <strong>de</strong>ixarem envolver pela música)e a casa (que todos diziam ser assombra<strong>da</strong>), <strong>da</strong> qual preten<strong>de</strong>mser proprietários (114) .Os ex-combatentes reencontram a família <strong>de</strong> Alfredo (115) , travamnovas relações e integram uma equipa (116) , liga<strong>da</strong> à construção <strong>de</strong> umcondomínio.As questões que se colocam são <strong>de</strong> diversa índole: problemas sociais(117) , falta <strong>de</strong> infra-estruturas (118) e <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-<strong>obra</strong> (119) , “corri<strong>da</strong>50<strong>de</strong> 2006.110Padilha, Laura, “O manequim e o piano, 2005”, in http://www.uea-angola.org. Acesso em Julho111Sobre este assunto ver o capítulo: “Da página à cena e à tela”.112Tal como em Rioseco o espaço <strong>da</strong> acção <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser Luan<strong>da</strong>.113Vidro esse que Alfredo e Van<strong>de</strong>r substituem, como que unindo metaforicamente os pe<strong>da</strong>ços fragmentados,em consequência <strong>da</strong> gue<strong>rra</strong>. Por sua vez, o manequim acaba por ser associado ao misticismo:“Van<strong>de</strong>r olhava o manequim como um aliado antigo. <strong>Uma</strong> espécie <strong>de</strong> feiticeira macho que se ocultava norespeito <strong>de</strong> quem lhe vestira a roupa” (O manequim e o piano, p. 272).114“Nunca fomos proprietários <strong>de</strong> uma casa como esta sem corrupção nem chutar ou man<strong>da</strong>r fugiros ocupantes, na<strong>da</strong>! Somos os proprietários ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros e <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> casa assombra<strong>da</strong>” (i<strong>de</strong>m: 43).115A tia <strong>de</strong> Alfredo procura-o no programa <strong>de</strong> televisão “Ponto <strong>de</strong> Reencontro”. Kalufebe é uma figura extremamenterespeita<strong>da</strong> e admira<strong>da</strong> por todos, acaba por personificar o po<strong>de</strong>r dos “mais velhos” na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>:“é uma espécie <strong>de</strong> soba, uma rainha, tem muita gente à volta <strong>de</strong>la e move muita influência” (i<strong>de</strong>m, p. 148).116Chefia<strong>da</strong> por portugueses.117Referência à prostituição.118“O senhor tem razão é preciso a<strong>rra</strong>njar estra<strong>da</strong>s para fazer sair os produtos <strong>da</strong> agricultura senãofica tudo enga<strong>rra</strong>fado para <strong>de</strong>itar fora como o milho os morangos os loengos a batata (...) O governo queaumente a produção <strong>de</strong> petróleo e comece a <strong>de</strong>senvolver pelo menos as estra<strong>da</strong>s que ligam as provínciasmeu! Para on<strong>de</strong> é que vai a bala do petróleo <strong>de</strong> agora se acabou a gue<strong>rra</strong>” (i<strong>de</strong>m: 42).119“Ain<strong>da</strong> bem que vocês chegaram aqui. Há tanta coisa para fazer só que as pessoas não queremregressar à te<strong>rra</strong>. Só há camponeses que fugiram <strong>da</strong> gue<strong>rra</strong> que passava nas al<strong>de</strong>ias <strong>de</strong>les” (i<strong>de</strong>m:58).E-book CEAUP 2007
<strong>Na</strong>(<strong>rra</strong>)ção satírica e humorística: uma <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel Ruiaos dólares” (120) , aspectos ambientais (121) , entre outros (122) .O leitor visualiza todo um conjunto <strong>de</strong> relações entre as árvores (“oseucaliptos pareciam fantasmas bons” (O manequim e o piano, p. 50));os animais (“<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que terminou a gue<strong>rra</strong> os animais estavam a voltaraos seus lugares” (i<strong>de</strong>m:55)); as flores e os frutos (numa sinestesia <strong>de</strong>cor e cheiro surgem os morangos (i<strong>de</strong>m:119), os malmequeres e buganvílias(i<strong>de</strong>m: 48), as acácias (i<strong>de</strong>m:53), as violetas (i<strong>de</strong>m: 140 e 379),a gipsófila (i<strong>de</strong>m:143), as rosas (i<strong>de</strong>m:379)); o tempo, nomea<strong>da</strong>mentea chuva (123) e as diferentes personagens, numa espécie <strong>de</strong> peça <strong>de</strong> teatro(124) representa<strong>da</strong> no palco on<strong>de</strong> aparentemente tudo está ligado porum fio invisível que começa no manequim e termina na casa (125) .Concluindo, Manuel Rui recorre ao humor e à ironia como métodos<strong>de</strong> análise, enquanto perspectiva crítica <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, relevando <strong>da</strong>complementari<strong>da</strong><strong>de</strong> traduzi<strong>da</strong> pela alternância e pela reversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> doalvo <strong>da</strong> crítica.120A ironia está patente nos diálogos estabelecidos entre Alfredo e Van<strong>de</strong>r: “os camara<strong>da</strong>s que eramtodos comunistas e agora só pensam nos dólares eram virgens que agora são putas!”/ “<strong>Na</strong><strong>da</strong>. Deixa-mesó tomar nota. Parece-me que já eram putas que agora se querem passar por virgens. Entraram pela impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong>,pá!/ Não entendo!/ Caramba! <strong>Uma</strong> virgem po<strong>de</strong> vir a ser puta mas uma puta não po<strong>de</strong> vira ser virgem” (i<strong>de</strong>m:96).121Van<strong>de</strong>r confessa, na construção do condomínio e consequente <strong>de</strong>struição do habitat envolvente,“dói-me por <strong>de</strong>ntro ver a<strong>rra</strong>sar to<strong>da</strong>s essas árvores e plantas on<strong>de</strong> até há bocado já me passou um medicamentotradicional para a dor <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntes e é assim que vamos ficar civilizados, é assim, tudo careca e vivaa tecnologia” (i<strong>de</strong>m: 297).122Apercebemo-nos, por exemplo, do processo <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> uma casa <strong>de</strong>sabita<strong>da</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os papéis<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação até à “minuta do requerimento para confisco on<strong>de</strong> se diz que a casa está ocupa<strong>da</strong><strong>de</strong> forma pacífica e pública por ter sido abandona<strong>da</strong> há mais <strong>de</strong> vinte anos <strong>de</strong>sconhecendo-se os antigosproprietários que abandonaram o país. Depois vão fazer uma avaliação mas isso a avó controla. A seguirven<strong>de</strong>m ao ocupante <strong>de</strong> quitação. A seguir é tudo com o tio Lázaro. O pagamento <strong>da</strong> sisa e <strong>de</strong>pois fazer aescritura e registo predial” (i<strong>de</strong>m:380).123Sobre este assunto ver o capítulo do nosso trabalho: “Crónica <strong>de</strong> Um Mujimbo”, pp. 86-87.124Em que as anotações <strong>de</strong> Van<strong>de</strong>r parecem exercer a função <strong>de</strong> Coro.125“Existia qualquer nexo visível e lógico mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haviam chegado ali, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro dia elogo-logo o manequim <strong>de</strong>spido, a loja do Matias, o bar restaurante “Ficacá”, os cupapatas para angariarempretas e até os nomes <strong>da</strong>s pessoas, a televisão e as <strong>de</strong>clarações <strong>da</strong> velha Kalufele, o doutor dos registosou o padre Ta<strong>de</strong>u, os dois nomes <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> pessoa, os telefones celulares e os rádios <strong>de</strong> comunicação, configuravam-secomo uma equação <strong>de</strong> um qualquer matemático que Van<strong>de</strong>r resistia a não aceitar fora <strong>da</strong> suateimosia lógica sempre no pressuposto <strong>de</strong> “que enquanto um gajo não <strong>de</strong>scobre é um mistério e assim que<strong>de</strong>scobre passa a ser um <strong>da</strong>do científico explicável como os trovões, po<strong>rra</strong>!”” (i<strong>de</strong>m: 312-313).512007 E-BOOK CEAUP
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