Marta <strong>de</strong> Oliveira70ou burguesismo, entre outros (167) . A analogia com a situação vivi<strong>da</strong> emAngola é evi<strong>de</strong>nte. O <strong>de</strong>bate sobre a funcionali<strong>da</strong><strong>de</strong> do socialismo, tendocomo fonte o marxismo, em <strong>de</strong>trimento do i<strong>de</strong>al capitalista era constante.Contudo a crítica <strong>de</strong> Diogo é mor<strong>da</strong>z: este <strong>de</strong>bate <strong>de</strong> intelectuais não“enche a barriga”, ou seja, não dá resposta às necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s primárias <strong>da</strong>população, é em suma, “só paleio”, mero exercício i<strong>de</strong>ológico, benefíciopara alguns, “peixefritismo” para outros.Repare-se que se enten<strong>de</strong>rmos o “peixefritismo” como metáfora,metonímia e sinédoque dos novos tempos (Hilário 2006), a matança doporco, com vista a equacionar este “peixefritismo”, adquire importânciaacresci<strong>da</strong>, afinal Diogo luta contra aqueles que exercem o po<strong>de</strong>r (popular),criando o porco no apartamento, para inserir a carne na alimentação.Transpõe, <strong>de</strong>sta forma, o tradicional (criação dos animais) para umhabitat impróprio e <strong>de</strong>sa<strong>de</strong>quado, visto tratar-se do sétimo an<strong>da</strong>r <strong>de</strong> umapartamento.Muitas são as páginas que <strong>de</strong>monstram esta ina<strong>de</strong>quação social: <strong>de</strong>núncia<strong>da</strong>s carências alimentares (bichas para a carne; falta <strong>de</strong> cervejaem Luan<strong>da</strong>; necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s dos espaços rurais menciona<strong>da</strong>s pela professorados miúdos – falta <strong>de</strong> milho e mandioca); as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s assumi<strong>da</strong>spela transposição dos mercados paralelos; a corrupção particular (referênciaà ven<strong>da</strong> ilícita <strong>de</strong> bebi<strong>da</strong>s alcoólicas, como a notação dos “ramalhoeanes” (168) ); a inocência e inteligência <strong>da</strong>s crianças; a evocação <strong>de</strong> figuras<strong>de</strong> hierarquia política (primo Cinquenta segurança) e sócio-profissional(ô-dê-pê [Organização <strong>da</strong> <strong>de</strong>fesa popular] “camara<strong>da</strong> chefe”) (169) ; a distinçãoespaço rural e urbano (170) ; o regime e sistema <strong>de</strong> ensino fortementeburocratizados e fechados, reportam-se nas suas mais altas enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s,a um autoritarismo ignóbil.Parece-nos que a <strong>obra</strong> se constrói por duas ópticas diferentes, os<strong>de</strong>fensores do animal, por um lado, e os opositores, por outro (171) . Para167O leitor po<strong>de</strong>rá subenten<strong>de</strong>r “ismos” como – Humanismo; Imperialismo; Colonialismo; I<strong>de</strong>alismo.168“Em casa <strong>de</strong>le passa ovos, <strong>de</strong>ndém, carne e ontem quatro “ramalho eanes”. Quando eu era “morteiro”eu vi três caixas. Se ca<strong>da</strong> pessoa só tem direito a uma, como é que um juiz açambarca <strong>de</strong>ssa maneira?”(Crónica <strong>de</strong> Um Mujimbo, p. 42).169Cf. Episódios <strong>da</strong> visita do fiscal e <strong>da</strong> bicha para a carne, respectivamente. On<strong>de</strong> verificamos asubserviência do burocrata médio perante as autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s superiores.170On<strong>de</strong> “essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> tudo o que é lixo é <strong>de</strong>spachar para as províncias” (p. 47).171Em analogia histórica com a existência dos dois blocos: MPLA e <strong>da</strong> UNITA. Visto que, tambémE-book CEAUP 2007
<strong>Na</strong>(<strong>rra</strong>)ção satírica e humorística: uma <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel Ruias crianças, o porco é apenas um ser <strong>de</strong> afeição <strong>de</strong>sinteressa<strong>da</strong>. Para osadultos, Carnaval <strong>da</strong> Vitória afigura-se como um problema: atrapalha a“disciplina revolucionária”.Repare-se que o porco personifica aqueles que partem do mundorural para o urbano, a sátira <strong>da</strong>s populações que se vêem num mundodiferente <strong>da</strong> sua génese, que imitam comportamentos <strong>de</strong> outros, que“precisam <strong>de</strong> alimento”, que “incomo<strong>da</strong>m” com a sua presença, ou quese “aburguesam”.O animal, como se <strong>de</strong> uma personagem mo<strong>de</strong>la<strong>da</strong> se tratasse, evolui,<strong>de</strong>sta forma, na sua atitu<strong>de</strong>, “aburguesando-se” (172) , no enten<strong>de</strong>r<strong>da</strong>s crianças por culpa do pai, que o trata bem com o objectivo único <strong>de</strong>“obter retribuições <strong>de</strong> futuras bistecas e linguiças”.Este aburguesamento do animal acaba por metaforizar o <strong>da</strong> própriasocie<strong>da</strong><strong>de</strong>, pondo explicitamente em causa, para além dos movimentosmigratórios, os propósitos <strong>da</strong> pequena burguesia citadina e a corrupçãodos quadros burocráticos médios (173) . Diogo dirige-se, <strong>de</strong>sta forma,triunfante, para o porco:“Conquistas <strong>da</strong> Revolução (...) Estás politizado!” (174) (p. 25)Carlos Justo (2005) <strong>de</strong>staca este rejubilo <strong>de</strong> Diogo, salientando aintenção do autor na obtenção do riso, e mais, porque, “para além <strong>de</strong>humorístico, o facto <strong>de</strong> politizar um porco talvez possa ser anti ou contra-revolucionário.Como contra-revolucionário e jocoso é tratar um fiscalpor “senhor fiscal” e não pelo preceptivo “camara<strong>da</strong> fiscal”.Num outro momento <strong>da</strong> na<strong>rra</strong>tiva, Diogo manifesta ain<strong>da</strong> o seu <strong>de</strong>sagradoperante a insatisfação <strong>de</strong> Liloca, pelo facto <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>r ouvir onoticiário, a crítica é mor<strong>da</strong>z:71estes criaram dois blocos/facções, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo os respectivos i<strong>de</strong>ais.172Para o manterem calmo é alimentado com bastante comi<strong>da</strong> e torrões <strong>de</strong> açúcar, além <strong>de</strong> ouvirmúsica com fones nos ouvidos.173A corrupção é apresenta<strong>da</strong> em Pepetela como um autêntico polvo. Contra ela Jaime Bun<strong>da</strong> na<strong>da</strong>pô<strong>de</strong> fazer. Cf. José Carlos Venâncio, 2004, op. cit.174Remete-nos para uma doutrinação massiva do Estado. Repare-se na opção, estética e linguística,pelo particípio “politizado” com <strong>de</strong>sempenho adjectival. Desta forma, o acto tem a ver com a natureza <strong>da</strong>acção <strong>de</strong> quem a pratica.2007 E-BOOK CEAUP
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