Marta <strong>de</strong> Oliveira“Mer<strong>da</strong>s <strong>de</strong> pequena-burguesia. Querem o céu e a te<strong>rra</strong>. O capitalismoe o socialismo” (175) .(p. 25)Desta forma, na prática do quotidiano as personagens vão ganhandovi<strong>da</strong> e cor.É nas crianças e na própria professora que encontramos a recusa <strong>de</strong> umsistema dominante, é através <strong>de</strong>las que a utopia será concretizável (176) .São os “mais novos“ a corrigir os “mais velhos” – quando <strong>Na</strong>záriocoloca um cartaz (177) , proibindo o cultivo <strong>de</strong> porcos na habitação, logoas crianças se apressam a reprová-lo apontando erros ortográficos eestruturais (178) :“suíno é com ésse, disciplina é antes <strong>de</strong> vigilância e antes <strong>da</strong> luta continuatem <strong>de</strong> pôr pelo Po<strong>de</strong>r Popular e no fim acaba ano <strong>da</strong> criação <strong>da</strong> Assembleiado Povo e Congresso Extraordinário do Partido!”(pp. 20-21)72A situação torna-se caricata e humilhante para <strong>Na</strong>zário. A ironia eastúcia dos miúdos sai, mais uma vez, vencedora (179) .Carlos Justo (i<strong>de</strong>m) põe em evidência a função <strong>de</strong>sta metalinguagem,<strong>de</strong>stacando que “o jogo com as palavras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m do discurso oficial”visam “plasmar o vazio <strong>de</strong>ssas palavras e a <strong>de</strong>sestruturação que o povopratica, trazendo para o texto literário as contradições <strong>da</strong> Angola in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nteem construção, em gue<strong>rra</strong>”. Acrescenta ain<strong>da</strong> que este “mo<strong>de</strong>loúnico e institucionalizado <strong>de</strong> discurso” está presente nas intervenções<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as personagens”. Assim “a presença <strong>de</strong>sta metalinguagem tempor objectivo <strong>da</strong>r verosimilhança ao texto e introduzir o esvaziamento <strong>de</strong>175O leitor atento não fica indiferente à conotação que a expressão traduz.176Deter-nos-emos sobre esta temática no capítulo “As crianças – realização <strong>da</strong> utopia”.177Escrito num registo linguístico popular, repleto <strong>de</strong> <strong>de</strong>svios gramaticais (erros ortográficos e <strong>de</strong>pontuação).178Patenteia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, a pouca instrução, os erros e abusos <strong>de</strong> slogans revolucionários na vi<strong>da</strong> quotidiana,nomea<strong>da</strong>mente por aquele que <strong>de</strong>sempenha um cargo importante como o <strong>de</strong> assessor popular.179<strong>Na</strong>zário ain<strong>da</strong> tenta alterar o cartaz, mas acaba por a<strong>rra</strong>ncá-lo em total <strong>de</strong>scontrolo: “quandose apercebe que o adversário é superior e se teme pela <strong>de</strong>rrota, proce<strong>de</strong>-se à ofensiva, grosseira e ultrajosamente;quer dizer, abandona-se o objecto <strong>da</strong> discussão (já que aí se per<strong>de</strong>u a disputa) e ataca-se, <strong>de</strong>qualquer maneira, a pessoa do adversário”. Hilário, Fernando, op. cit. p. 53.E-book CEAUP 2007
<strong>Na</strong>(<strong>rra</strong>)ção satírica e humorística: uma <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel Ruisignificado do discurso oficial quando utilizado pelo povo e não só, o quenos parece assim um formulado inédito no sistema literário angolano atéà altura” (i<strong>de</strong>m).De facto, há um contraste entre um nível “oficial” e outro directamenteligado ao quotidiano, do qual o primeiro aparece <strong>de</strong>senquadrado.A i<strong>de</strong>ologia é <strong>de</strong>sta forma questiona<strong>da</strong> pela linguagem marca<strong>da</strong>menterevolucionária, mas incongruente e até contra-revolucionária. Repare-sena intencionali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> esvaziar os “ismos” i<strong>de</strong>ológicos com expressõescomo “peixefritismo”. Também as crianças se apropriam <strong>de</strong>sta linguagem,dominando-a melhor que os adultos, contribuindo, <strong>de</strong>sta forma,para a sua <strong>de</strong>smistificação. Note-se até o pormenor dos “sábados vermelhos”,resquício do voluntarismo marxista <strong>de</strong> feição cubana, assim comoa composição <strong>de</strong> Ruca: o miúdo chama o pai <strong>de</strong> reaccionário e o porco <strong>de</strong>revolucionário (pp. 35-36).Segundo Manuel Rui (180) , a novela está relaciona<strong>da</strong> com <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>sconcepções, que leva as pessoas a burocratizarem tudo sem saberporque estão a fazê-lo. As personagens são marxistas sem saber o que talsignifica. Neste sentido, os termos são utilizados sem adquirirem o seuvalor semântico. Diogo, por exemplo, assume-se como revolucionáriosem enten<strong>de</strong>r o significado real <strong>da</strong> palavra.Convém ain<strong>da</strong> <strong>de</strong>termos a nossa atenção na figura <strong>da</strong> professora,pela antítese resultante do seu i<strong>de</strong>alismo (181) em contraposição à escolarepressora, impositiva e i<strong>de</strong>ológica (182) .A professora é uma pessoa neutra, mas cúmplice dos alunos (“<strong>de</strong>ixafazer re<strong>da</strong>cções que a gente quer e até trouxe na escola o primo <strong>de</strong>la Filipeque veio tocar viola <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> sala” (183) ). No exercício <strong>da</strong>s suas funções,atenta às motivações <strong>da</strong>s crianças, acabando por conciliar a escolacom a vi<strong>da</strong>.O sistema <strong>de</strong> ensino é, contrariamente à docente, que supostamenteseria o seu porta-voz (184) , fortemente burocratizado e fechado, con-73180Op. cit. Entrevista em anexo, p. 166.181Não batia nos alunos o que era pouco frequente na época.182Lembrando-nos a escola <strong>de</strong>scrita nos contos <strong>de</strong> Luandino Vieira, embora os agentes sejam diferentes.183p. 36.184Para o Secretário do Comité Central do MPLA/PT <strong>da</strong> esfera i<strong>de</strong>ológica, Roberto <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong>, “seeste elemento (o professor) não for fiel aos princípios e objectivos <strong>da</strong> Revolução, certamente não o será2007 E-BOOK CEAUP
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