Marta <strong>de</strong> OliveiraSe o disse, melhor o fez. De facto, basta recorrermos às páginas <strong>da</strong>sua <strong>obra</strong> para confrontarmos a veraci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sta afirmação. A socie<strong>da</strong><strong>de</strong>seria analisa<strong>da</strong> numa perspectiva simultaneamente crítica e exegeta,pon<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> e reflexiva.Inocência Mata (1992:37) aponta nesta mesma direcção quandoafirma: “o primeiro convite que a <strong>leitura</strong> <strong>de</strong> Manuel Rui nos sugereé uma análise sociológica: a <strong>leitura</strong> <strong>de</strong> uma teia textual em que quasenuma visão caleidoscópia, Angola actual – através <strong>da</strong> sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong>-cérebro– se nos apresenta, é li<strong>da</strong>, é analisa<strong>da</strong> na sua trama social, na sua Históriae na sua Cultura social” (136) .Desta forma, a <strong>obra</strong> <strong>de</strong>ste escritor constituir-se-á como porto <strong>de</strong> paragemobrigatória para visitar consi<strong>de</strong>rações, rumos, vivências, costumese usos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> angolana, nomea<strong>da</strong>mente <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Luan<strong>da</strong> (137) ,palco privilegiado <strong>da</strong>(s) na<strong>rra</strong>tiva(s). As personagens e a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, queacabam por personificar, são vistas sob a lupa atenta do na<strong>rra</strong>dor.Da sua pena irónica transparece uma vasta gama <strong>de</strong> figuras. Usandoficção e crítica social, o autor colhe as coor<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s “culturais, históricas,políticas e linguísticas do seu povo bem como a matriz referencialista eironizante do processo realista” (138) .Manuel Rui procura aten<strong>de</strong>r ao contexto histórico-social, servindo-se<strong>da</strong> crítica (139) à socie<strong>da</strong><strong>de</strong> burguesa e à falsi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos seus valores, assimcomo <strong>da</strong> introspecção psicológica <strong>da</strong>s personagens (Cf. Feijó, Crónica <strong>de</strong>Um Mujimbo).A representação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> burguesa, através do recurso a personagens-tipo(140) , naquilo que ela possa ter <strong>de</strong> mais <strong>de</strong>sagradável ou negati-56136Mata, Inocência, Pelos trilhos <strong>da</strong> Literatura africana <strong>de</strong> Língua portuguesa, Pontevedra/Braga, Irman<strong>da</strong><strong>de</strong>s<strong>da</strong> fala <strong>da</strong> Galiza e Portugal, 1992.137Luan<strong>da</strong> é, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras <strong>obra</strong>s, o espaço privilegiado na na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel Rui. Exemplifiquemoscom Sim Camara<strong>da</strong> (1977), livro “<strong>de</strong> grupos, dirigido àqueles que po<strong>de</strong>m receber em cheio oimpacte do relato <strong>de</strong> episódios <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> nacional – principalmente <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> Luan<strong>da</strong> – no momento emque eles se tornam história. Destaca-se a geografia <strong>de</strong> Luan<strong>da</strong> on<strong>de</strong> se travaram as escaramuças <strong>de</strong>cisivas<strong>da</strong> gue<strong>rra</strong> civil –a Segun<strong>da</strong> Gue<strong>rra</strong> <strong>da</strong> Libertação”. Hamilton, Russell, Literatura africana. Literatura necessária.Vol I, Lisboa, Edições 70, 1983, p. 192.138Men<strong>de</strong>s, José Manuel, Manuel Rui: uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> construí<strong>da</strong> <strong>da</strong> resistência à libertação, Paris,Fun<strong>da</strong>ção Calouste Gulbenkian, 1985, p. 103.139“Ele [Manuel Rui] é mesmo crítico, não no sentido <strong>de</strong> ensaísta mas <strong>de</strong> filósofo. Prosopopeia, sátira<strong>de</strong> realismo <strong>de</strong>scarado ele usa em Quem me <strong>de</strong>ra ser On<strong>da</strong> com à vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> dono <strong>de</strong> argumentação e <strong>de</strong>re<strong>da</strong>cção”. Macedo, Jorge, Literatura angolana e texto literário, Estudos contemporâneos, 1989, p. 105.140Tal como afirma Lukács: “a categoria realista é o tipo, ou seja, a síntese particular que, tanto noE-book CEAUP 2007
<strong>Na</strong>(<strong>rra</strong>)ção satírica e humorística: uma <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel Ruivo (a usura, a ambição, a avareza, a cobiça, a corrupção, entre outros);a representação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> urbana; a análise <strong>da</strong>s relações e dos conflitossociais, em suma, a <strong>de</strong>núncia e a análise crítica dos vícios <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>,corporizados em personagens-tipo (141) constituem objecto privilegiadodos realistas e, naturalmente, <strong>de</strong> Manuel Rui.Refira-se que a par <strong>da</strong>s <strong>de</strong>scrições realistas, verídicas, <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do quotidiano,surge também o conto alegórico –Memória <strong>de</strong> mar (142) –, emboraeste <strong>de</strong>sempenhe um papel mais limitado na na<strong>rra</strong>tiva do autor. O problema<strong>da</strong> colonização é tratado nestas na<strong>rra</strong>tivas indirectamente, <strong>de</strong>staforma, entrecruza-se realismo crítico, com a <strong>de</strong>scrição dos costumes, <strong>da</strong>vi<strong>da</strong> quotidiana, assim como, elementos do “realismo mágico”.Manuel Ferreira (143) argumenta que “o universo que ele [Manuel Rui]estrutura tem como suporte referências que o enriquecem <strong>de</strong> uma perspectivadinâmica. E fá-lo a partir <strong>de</strong> um conhecimento real e efectivo”.Apesar <strong>de</strong> ficção na<strong>rra</strong>tiva e reali<strong>da</strong><strong>de</strong> serem parâmetros distintos, afronteira que os une e separa é aliciante para qualquer crítico, não sendonossa intenção limitar a ficção a uma transposição <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> (144) é,contudo possível, e tendo em conta o contexto histórico em que as <strong>obra</strong>sse inserem, verificar que a situação realmente vivi<strong>da</strong> pelos habitantes<strong>de</strong> Luan<strong>da</strong> confere a verosimilhança necessária ao texto, não limitando,contudo, a intemporali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> na<strong>rra</strong>ção, e, concomitantemente, dos vacampodos caracteres como no <strong>da</strong>s situações, una organicamente o genérico e o individual, ain<strong>da</strong> queaprofun<strong>da</strong>do, não pelo facto <strong>de</strong> nele confluírem e se fundirem todos os momentos <strong>de</strong>terminados, humanae socialmente num período histórico”. Op. cit. Salinari, Carlos, “A arte como reflexo e problema do realismo”,in Vértice 440/441,Jan.-Abr, Lisboa, Editorial Caminho, 1981.141As mais funcionais para a representação <strong>de</strong> <strong>de</strong>feitos <strong>de</strong> grupos ou <strong>de</strong> sectores <strong>de</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.142Quatro participantes <strong>da</strong> gue<strong>rra</strong> <strong>da</strong> libertação – o protagonista-na<strong>rra</strong>dor; um Major <strong>da</strong>s FAPLA,um sociólogo e um historiador param numa ilha <strong>de</strong>serta, no futuro, dois anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>scolonização,antes a ilha pertencia aos padres, representantes do sistema colonial, com os seus preconceitos raciaise sociais. A ironia assume-se como recurso expressivo, quando, por exemplo, num barco sem rumo, aosabor <strong>da</strong>s on<strong>da</strong>s, o Prior, cheio <strong>de</strong> fervor faz sacrifícios a Quian<strong>da</strong>, como qualquer pagão.Aqui o escritor teve como objectivo “não atacar o real como ele se afigura, mas sempre mais peloimaginário”. Laban, Michel, op. cit. p. 730.143Ferreira, Manuel, Prefácio à 2ª edição <strong>de</strong> Regresso Adiado.144Sobre esta temática retenham-se as palavras <strong>de</strong> Ian Walt: “se o romance fosse realista apenas porver os “bastidores” <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, não seria mais do que um “romance” (no sentido antigo) invertido; mas é evi<strong>de</strong>nteque tenta, <strong>de</strong> facto, <strong>de</strong>screver to<strong>da</strong>s as varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> experiência humana, e não só as que são maisconvenientes num ponto <strong>de</strong> vista literário específico: o realismo do romance não resi<strong>de</strong> no género <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>que representa, mas sim na forma como o faz”. Op. cit. Barthes, Roland [et alli], Literatura e reali<strong>da</strong><strong>de</strong>:Que é o realismo?, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1984, p. 16.572007 E-BOOK CEAUP
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