Marta <strong>de</strong> Oliveirapapel <strong>de</strong> rompimento com um estado <strong>de</strong> coisas ou <strong>de</strong> espírito que tem <strong>de</strong> sersuperado em favor <strong>da</strong>s novas perspectivas <strong>de</strong> futuro, este figura-se como aíndole implícita que atravessa to<strong>da</strong> a <strong>obra</strong>, através <strong>de</strong> metáforas explícitas.Bloch (Op. cit. Venâncio 2004) <strong>de</strong>fine utopia como uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>nunca alcançável, diferindo <strong>de</strong> uma “antecâmara para o paraíso”,mas passível <strong>de</strong> “antecipação”, ganhando apenas sentido se vivi<strong>da</strong>quotidianamente.A utopia <strong>de</strong>fine-se, <strong>de</strong>sta forma, como “um espaço <strong>de</strong> harmonia sociale política a alcançar” (i<strong>de</strong>m: 1999:198) (257) .Venâncio (2004) <strong>de</strong>staca alguns escritores angolanos, que ao lado<strong>da</strong> dimensão <strong>da</strong> angolani<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> que a utopia pepeteliana foi tradutora,fun<strong>da</strong>mentaram o seu propósito futurista na vivência <strong>da</strong> infância. LuandinoVieira (258) , Arnaldo Santos (259) , António Jacinto e António Cardososão os exemplos <strong>de</strong>stacados (260) . Também em Aires <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> Santos(“A mulemba secou”) (261) e Mário António (“Rua <strong>da</strong> Maianga”), a infânciaé o lugar on<strong>de</strong> não há diferenças raciais.Ora, Manuel Rui, influenciado pelos autores citados, retoma estamesma temática <strong>da</strong> infância. Pelo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> afeição, as crianças unem-se,nesse movimento <strong>de</strong> luta contra os adultos, em prol do i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>,<strong>de</strong>ixando explícito que as suas vi<strong>da</strong>s po<strong>de</strong>rão vir a construir a soberania<strong>de</strong> uma nação, que difira <strong>da</strong> vigente. As crianças são as únicas que seregem pela simplici<strong>da</strong><strong>de</strong> e inocência.120existente, real, na busca <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> aproximar pelo menos um pouco mais as duas or<strong>de</strong>ns entre si”.Eisenstadt, S. N., Fun<strong>da</strong>mentalismo e mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> Heterodoxias, Utopismo e Jacobinismo na Constituiçãodos Movimentos Fun<strong>da</strong>mentalistas, Oeiras, Celta Editores, 1997 [1989], p. 9.257Venâncio, José Carlos, “Globalização, Democratização e facto literário em Angola. Aproximaçãoa uma sociologia do romance”, in, Africana Studia I, 1999, pp. 193-204.258Em Luandino a infância surge como utopia, como o tempo <strong>de</strong> justiça e igual<strong>da</strong><strong>de</strong>. Cf. Venâncio,José Carlos, <strong>Uma</strong> perspectiva etnológica <strong>da</strong> literatura angolana, Lisboa, Ulmeiro,1987.259Também o quadro social <strong>de</strong> Arnaldo Santos é o <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Luan<strong>da</strong>, “colado, não ao <strong>de</strong>sencanto,mas ao jogo ineficaz <strong>de</strong> um certo absurdo, antes ultrapassando o jogo <strong>da</strong>s aparências, aviva criticamente ocírculo <strong>da</strong>s contradições sociais e raciais (...) o tecido linguístico enriquece-se ao nível <strong>da</strong> angolanização”Ferreira, Manuel, op. cit. p. 56.260O mesmo autor (Venâncio:2004) acrescenta ain<strong>da</strong> o tratamento <strong>da</strong> mesma temática por algunsescritores brasileiros: Lins do Rego e Manuel Ban<strong>de</strong>ira.261Em “A mulemba secou”: “a aprendizagem <strong>da</strong> infância é também a aprendizagem do mundo, mastambém do além, do mundo dos mortos e dos espíritos que prepassam no xuaxalhar, no rumorejar <strong>da</strong>mulemba. Nesse caso, o poema separa-se do peso <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> branca e o musseque aparece, como espaçoautónomo, elaboração perfeitamente africana on<strong>de</strong> a criança apren<strong>de</strong> a reconhecer os homens, as árvores,os espíritos” Margarido, Alfredo, op. cit. p. 360.E-book CEAUP 2007
<strong>Na</strong>(<strong>rra</strong>)ção satírica e humorística: uma <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel RuiA reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>scrita e <strong>de</strong>gra<strong>da</strong><strong>da</strong> entra em choque com as palavras<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m esvazia<strong>da</strong>s <strong>de</strong> sentido, a revolução (262) está apenas na utopiados miúdos, que <strong>de</strong>sejam o seu amigo vivo, contrariamente à revoluçãoconcreta que se per<strong>de</strong> em práticas autoritárias: a posição <strong>de</strong> Diogo quesubmete a família aos seus caprichos; a <strong>de</strong> <strong>Na</strong>zário e Faustino, que encaramos factos como uma questão oficial, para pôr em prova as suaspequenas autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s.Os gran<strong>de</strong>s agentes <strong>da</strong> <strong>obra</strong> são os jovens <strong>da</strong> nova geração (263) , é nestesque a concepção do humano ganha voz, através <strong>da</strong> amiza<strong>de</strong>.São também os miúdos que nos oferecem os momentos mais hilariantes:o humor é fruto do cómico <strong>de</strong> situação, quando, por exemplo,numa visita do fiscal, que Faustino e <strong>Na</strong>zário enviaram para inspeccionaro apartamento <strong>de</strong> Diogo, as crianças inventam que não sãoeles que têm um porco em casa, mas antes o “camara<strong>da</strong> Faustino”,aliás, acusam as crianças, fabrica “quitan<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ndém”, engenhosos,dizem ain<strong>da</strong> que a causa <strong>da</strong> água que corria na casa <strong>de</strong> banho(a fim <strong>de</strong> o fiscal não ouvir o porco) era do “primo Cinquenta <strong>da</strong> segurança”;perante esta “mentira”, o fiscal interrompe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo ainspecção, mas os miúdos não se ficam por aqui e fingem, no telefoneavariado, uma conversa com a professora, acusando o fiscal <strong>de</strong> serladrão e assassino.Após a saí<strong>da</strong> do fiscal <strong>da</strong> casa <strong>de</strong> Diogo em direcção à <strong>de</strong> Faustino,as crianças tocam em to<strong>da</strong>s as campainhas dizendo haver um ladrão noprédio, resultado: o fiscal é corrido pelos moradores.O cómico <strong>de</strong> situação é evi<strong>de</strong>nciado em to<strong>da</strong> a confusão gera<strong>da</strong> emredor do fiscal:“Lá em baixo a peleja tinha crescido. Fiscal no meio exibindo documentos.As donas, os miúdos e mais gente <strong>de</strong> passagem ro<strong>de</strong>ando o intruso. Oscarros buzinando por causa do enga<strong>rra</strong>famento. Insultos <strong>de</strong> quem chegavaadiantando discussão e ain<strong>da</strong> as mulheres em voz alta, “pren<strong>da</strong>m esse gatu-121262Enten<strong>da</strong>-se a revolução socialista.263Tal como se verifica na Geração <strong>da</strong> Utopia <strong>de</strong> Pepetela: “Personagens como Orlando e Cristina são<strong>de</strong> alguma maneira her<strong>de</strong>iros <strong>da</strong> geração utópica, portadores <strong>de</strong> uma atitu<strong>de</strong> crítica em relação à corrupçãodo governo e dos novos ricos que o sustentam”. Brookshaw, David “Pepetela e a construção <strong>de</strong> umanacionali<strong>da</strong><strong>de</strong>”, in Venâncio, José Carlos (coord.), O Desafio Africano, Lisboa, Vega, 1997, p. 161.2007 E-BOOK CEAUP
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