Marta <strong>de</strong> OliveiraRepare-se que as duas mulheres do falecido, a legítima e a amante,são <strong>de</strong>scritas <strong>de</strong> forma totalmente distinta. A primeira, Dona Márcia (228) ,assume uma postura cabisbaixa <strong>de</strong> subordinação, chorando <strong>de</strong> corpovergado. Por outro lado, Dona Vaca distingue-se pela sua postura superiore altiva:“O grito <strong>de</strong> gue<strong>rra</strong> para o choro carpi<strong>de</strong>iro, colectivo, lançava-o DonaMárcia, legitima esposa do falecido”.(p. 50)“Dona Vaca mantinha-se serena, altiva e sem uma lágrima, <strong>de</strong> vez emquando reajeitando até uma ou outra flor sobre o corpo do <strong>de</strong>funto”.(p. 50)“Dona Márcia se atirava <strong>de</strong> forma quase i<strong>rra</strong>cional para o caixão e erasocorri<strong>da</strong> pelos braços <strong>de</strong> dois homens”.(p. 50)Refere-se ain<strong>da</strong> a questão <strong>da</strong>s multinacionais petrolíferas, o tom irónicodo na<strong>rra</strong>dor é sublime, quando o orador que profere o discurso <strong>de</strong>elogio fúnebre afirma:“Alguns recorrem a urnas <strong>de</strong> luxo com menosprezo pela indústria nacionalnessa matéria. É pois saudável, exemplar e patriótico, em termos <strong>de</strong>nacionalismo e principalmente <strong>de</strong> humil<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que há pouco vos falava,que este homem venha à sua última mora<strong>da</strong> num caixão simples, <strong>de</strong> fabriconacional”.(pp. 50-51)94Estas palavras causam enorme impacto no morto, que se insurgecontra as mesmas e levanta-se, instaurando a confusão geral:“E o morto colocou ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s mãos nas bor<strong>da</strong>s do caixão e, lenta esolenemente, levantou-se até ficar sentado”.(p. 51)228Des<strong>de</strong> logo, o facto <strong>da</strong> esposa ser apresenta<strong>da</strong> pelo seu nome valoriza-a em relação à amante queapenas conhecerá, ao longo do conto, a nomeação <strong>de</strong> “Dona Vaca”.E-book CEAUP 2007
<strong>Na</strong>(<strong>rra</strong>)ção satírica e humorística: uma <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel Rui“E logo-logo os sol<strong>da</strong>dos preparados para a salva <strong>de</strong>ram em dispararatoamente raja<strong>da</strong>s algumas <strong>de</strong> tangente na cabeça <strong>da</strong>s pessoas”.(p. 51)Atente-se no carácter calmo e lento <strong>da</strong> acção, assim como nos advérbios<strong>de</strong> modo utilizados: “solenemente”, revestindo o acto <strong>de</strong> umcarácter quase cerimonial e “atoamente”, <strong>da</strong>ndo conta do estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>sorientaçãoprovocado em todos os assistentes <strong>da</strong> cerimónia fúnebre.Um outro aspecto interessante no conto é a visão <strong>da</strong> morte que nosvai sendo lega<strong>da</strong> pelas diferentes personagens:“(...) a morte vem sempre quando menos se espera”.(p. 37)“(...) ca<strong>da</strong> funeral é uma antecipação <strong>da</strong> minha morte pela contabilização<strong>de</strong> dias a menos na minha vi<strong>da</strong> por causa do funeral”.(p. 41)Manuel Rui transporta-nos por um mundo <strong>de</strong> “caos”, <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m eheterogenei<strong>da</strong><strong>de</strong>s, no qual, um “morto” será julgado por se ter revoltadocontra o rumo do seu próprio funeral.Dona Márcia, adopta, tal como já fizemos referência, uma postura totalmentedistinta <strong>da</strong> <strong>de</strong> Dona Vaca, quando está “<strong>de</strong>sespera<strong>da</strong>”, refugiasena religião e na Igreja. Aliás, o seu confi<strong>de</strong>nte, amigo e conselheiro é opadre, este está a seu lado nos momentos fulcrais <strong>de</strong> dúvi<strong>da</strong> e incerteza,acalmando-a e aconselhando-a na fé:“Haja o que houver, a melhor forma <strong>de</strong> cumprirmos a palavra do senhor,é a nossa fé. Por isso recolha-se. O recolhimento é sempre uma abertura <strong>de</strong>luz. Deve recolher-se e orar com fervor. Deus saberá receber a sua prece”.(p. 55)95Dona Vaca, por sua vez, aparece envolta em luxo, riqueza eexuberância:“... está senta<strong>da</strong> em sobre uma poltrona pesa<strong>da</strong> <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira Vera panga--panga, preciosa, <strong>de</strong> Cabin<strong>da</strong>...”; “... mu<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>de</strong> vestido. Agora com uma2007 E-BOOK CEAUP
- Page 3:
Na(rra)ção satíricae humorístic
- Page 7 and 8:
ÍNDICEIntrodução 1701. ParteOs
- Page 9:
“Leituras! Leituras!Como quem diz
- Page 13 and 14:
Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 15:
Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 18 and 19:
Marta de Oliveira18contextualizaç
- Page 20 and 21:
Marta de Oliveira“Burguesismos”
- Page 23:
Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 26 and 27:
Marta de Oliveiraproporcionada aqua
- Page 28 and 29:
Marta de Oliveira28UNITA) e o zaire
- Page 30 and 31:
Marta de Oliveira30Os problemas dei
- Page 32 and 33:
Marta de Oliveirasemelhantes às qu
- Page 34 and 35:
Marta de OliveiraFICÇÃO NARRATIVA
- Page 36 and 37:
Marta de OliveiraNegritude em Fran
- Page 38 and 39:
Marta de Oliveirabundo (49) , perso
- Page 40 and 41:
Marta de Oliveiralista (60) , por o
- Page 42 and 43:
Marta de Oliveira42o riso, já que
- Page 44 and 45: Marta de Oliveiraou a sorrirmos com
- Page 46 and 47: Marta de OliveiraAlvim (90) , perso
- Page 48 and 49: Marta de OliveiraDa Palma da Mão (
- Page 50 and 51: Marta de Oliveiradores e suas falas
- Page 52 and 53: Marta de OliveiraA ESCOLA DO REAL
- Page 54 and 55: Marta de Oliveira- Quem me dera ser
- Page 56 and 57: Marta de OliveiraSe o disse, melhor
- Page 58 and 59: Marta de Oliveira58lores veiculados
- Page 60 and 61: Marta de Oliveira60O crítico socia
- Page 63: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 66 and 67: Marta de Oliveira66procura equacion
- Page 68 and 69: Marta de Oliveirada. Verificamos, d
- Page 70 and 71: Marta de Oliveira70ou burguesismo,
- Page 72 and 73: Marta de Oliveira“Merdas de peque
- Page 74 and 75: Marta de Oliveirasiderando a profes
- Page 77 and 78: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 79 and 80: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 81 and 82: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 83 and 84: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 85 and 86: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 87 and 88: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 89 and 90: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 91 and 92: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 93: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 97 and 98: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 99 and 100: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 101 and 102: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 103 and 104: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 105 and 106: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 107 and 108: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 109 and 110: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 111 and 112: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 113 and 114: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 115 and 116: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 117 and 118: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 119 and 120: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 121 and 122: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 123 and 124: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 125 and 126: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 127 and 128: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 129 and 130: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 131 and 132: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 133: Na(rra)ção satírica e humorísti
- Page 136 and 137: Marta de Oliveira136É iniludível,
- Page 138 and 139: Marta de OliveiraA sigla, que de ce
- Page 140 and 141: Marta de Oliveirasão literária do
- Page 142 and 143: Marta de OliveiraDA PÁGINA AO PALC
- Page 144 and 145:
Marta de Oliveira144e como tal “a
- Page 146 and 147:
Marta de OliveiraCom efeito, como b
- Page 148 and 149:
Marta de Oliveirapressa, mas sem co
- Page 150 and 151:
Marta de OliveiraCONCLUSÃO“Where
- Page 152 and 153:
Marta de Oliveira152contínuo e con
- Page 154 and 155:
Marta de OliveiraHomem do seu tempo
- Page 156 and 157:
Marta de OliveiraII. Bibliografia p
- Page 158 and 159:
Marta de OliveiraFERNANDES, J. A. S
- Page 160 and 161:
Marta de OliveiraMATA, Inocência,
- Page 162 and 163:
Marta de Oliveiraportuguesa nos tr
- Page 164 and 165:
Marta de OliveiraENTREVISTA A MANUE
- Page 166 and 167:
Marta de OliveiraPor vezes, quando
- Page 168 and 169:
Marta de Oliveiraa viúva. Ele pode