Marta <strong>de</strong> Oliveira42o riso, já que po<strong>de</strong> existir sem ele, cremos que o efeito perlocutório pretendidopelo emissor <strong>da</strong> mensagem humorística é o riso ou, à falta <strong>de</strong>le osorriso, quer seja alegre e espontâneo, ou um sorriso triste e reflexivo (68) .O humor manifesta-se, em qualquer forma <strong>de</strong> comunicação ou expressão,<strong>de</strong> forma diferente. <strong>Na</strong> literatura, supõe o uso <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadosrecursos: ironia, sátira e/ou sarcasmo. Como qualquer tipo <strong>de</strong> comunicaçãoexige um conhecimento que permita <strong>de</strong>cifrar a mensagem. Paraque esta surta o efeito <strong>de</strong>sejado é necessário enten<strong>de</strong>r o transmitido,inserindo-o numa reali<strong>da</strong><strong>de</strong> contextual e cultural. Estes são alguns dosparâmetros a que <strong>de</strong>vemos aten<strong>de</strong>r quando analisamos a <strong>obra</strong> <strong>de</strong> um escritorcomo Manuel Rui.Analisando as instituições sociais (69) , as organizações, as pessoas eos costumes, Manuel Rui presentear-nos-á, tal como outrora se fazia aCeres (70) , com um prato repleto <strong>de</strong> frutos diversos <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> angolana,imbuído <strong>de</strong> uma sátira viva <strong>de</strong> personagens e atitu<strong>de</strong>s. Pinta, relembrandoCesário Ver<strong>de</strong>, um “quadro por letras e sinais”, on<strong>de</strong> as tonali<strong>da</strong><strong>de</strong>sversam os diferentes padrões <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> angolana, nomea<strong>da</strong>mente napersonificação <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s “atitu<strong>de</strong>s-tipo” que conduzem o leitorpela ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Luan<strong>da</strong>, espelho <strong>de</strong> Angola pós-in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<strong>Na</strong> sua na<strong>rra</strong>tiva, Manuel Rui faz incidir a sua pena crítica, analíticae sintética sobre os quadros médios <strong>da</strong> administração pública e do MPLA,isto é, sobre a chama<strong>da</strong> pequena-burguesia urbana.O enunciado surge, então, numa teia <strong>de</strong> relações sociais e históricas,tocando nos milhares <strong>de</strong> “fios dialógicos”, fruto <strong>da</strong> “consciência i<strong>de</strong>ológica”em torno <strong>de</strong> uma <strong>da</strong><strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, consequentemente, o escritortorna-se ser activo do “diálogo social”, assumindo-se como o “seu prolongamento”e “réplica” (Bachtin: 1993) (71) .Prefere <strong>de</strong>slocar o jogo do cómico do indivíduo (embora o possamosverificar em Feijó, Crónica <strong>de</strong> um mujimbo) para o ci<strong>da</strong>dão, ou seja, inci-68Que leve o leitor a uma pon<strong>de</strong>ração crítica dos factos na<strong>rra</strong>dos.69Enten<strong>de</strong>mos por instituições sociais os elementos adquiridos e constituintes do sistema social. Spencer(Op. cit. Bernardi:1988:42) <strong>de</strong>signa-os “órgãos <strong>da</strong>s funções sociais”. Protagonizam, <strong>de</strong>sta forma, a i<strong>de</strong>ia<strong>de</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Bernardi, Bernardo, Introdução aos estudos etno-antropológicos, Lisboa, Edições 70, 1988.70O termo “sátira” advém <strong>de</strong> “satira(m)”, <strong>de</strong> “lanx satura”, prato cheio <strong>de</strong> frutos sortidos que seoferecia à <strong>de</strong>usa <strong>da</strong>s sementeiras – Ceres.71Bachtin, Mikhail, Questões <strong>de</strong> literatura e <strong>de</strong> estética (a teoria do romance), São Paulo, EditoraUNESP, 1993.E-book CEAUP 2007
<strong>Na</strong>(<strong>rra</strong>)ção satírica e humorística: uma <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel Ruidir a contradição sobre o social, mostrando a disjunção entre o que há <strong>de</strong>mesquinho no indivíduo e a gravi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s funções sociais que exerce.Provido <strong>de</strong> uma “arma feroz” – a ironia (72) , lança na sua <strong>obra</strong> um bálsamo<strong>de</strong> frescura pelo seu humor (73) crítico, que o leitor acaba por fruir.Assim, confluem num mesmo universo: ironia e humor.Não querendo alongar a nossa análise naquilo que ca<strong>da</strong> um dos conceitossupracitados ence<strong>rra</strong>, convém, porém distingui-los.Para alguns estudiosos, como Jankélevitch (74) , o humor é uma espécie<strong>de</strong> ironia, para outros, como Schopenhaeur (75) e Bergson (1993), ohumor é o reverso <strong>de</strong> ironia. O último apresenta uma distinção que nosparece pertinente, argumentando que a oposição mais geral é a que sedá entre o real e o i<strong>de</strong>al, entre o que é e o que <strong>de</strong>veria ser (i<strong>de</strong>m:91-92).O contraste entre ambos os conceitos acontece na medi<strong>da</strong> em quemuitas vezes “abun<strong>da</strong>rá com enunciar o que <strong>de</strong>verá ser, parecendo acreditarque assim é na reali<strong>da</strong><strong>de</strong> – ironia; ou fazer-se uma <strong>de</strong>scrição minuciosado que é afectando acreditar que efectivamente assim <strong>de</strong>veria ser– humor” (76) .Por outro lado, a sátira (77) , diz Frye, é a ironia militante: “o satíricoutiliza a ironia para fazer com que o leitor se sinta incomo<strong>da</strong>do, para extrair<strong>da</strong> sua benevolência (complacencia) e convertê-lo num aliado contraa estupi<strong>de</strong>z humana” (i<strong>de</strong>m:131) (78) . Daí que muitas vezes, como leitores,nos vejamos a con<strong>de</strong>nar esta ou aquela atitu<strong>de</strong> <strong>da</strong>s personagens (79) ,72A ironia a que nos referimos não é a ironia <strong>de</strong> curto alcance, figura textualmente localiza<strong>da</strong>, através<strong>da</strong> qual se diz o contrário do que se quer afirmar. Mas antes aquela que consi<strong>de</strong>ramos <strong>de</strong> maior alcance,entendi<strong>da</strong> como elemento estruturante <strong>de</strong> uma certa cosmovisão <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado tempo cultural.Cf. Muecke, D. C., Irony, London, Methuen, 1978.73Discor<strong>da</strong>mos, tal como Schopenhauer (Op. cit. Vega:2002:44), <strong>da</strong>queles que consi<strong>de</strong>ram o humoruma forma especial <strong>de</strong> ironia. Para Schopenhauer (i<strong>de</strong>m:ibi<strong>de</strong>m) a ironia é a “bruma oculta <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>serie<strong>da</strong><strong>de</strong>”, enquanto o humor <strong>de</strong>finir-se-ia como “a serie<strong>da</strong><strong>de</strong> oculta <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> bruma”. Vega, CelestinoFerán<strong>de</strong>z <strong>de</strong> la, O segredo do humor, Fa<strong>de</strong>sa, La Voz <strong>de</strong> Galicia, 2002.74I<strong>de</strong>m, p. 49.75I<strong>de</strong>m, p. 44.76I<strong>de</strong>m, p. 46.77É, sobretudo, por constituir uma mundividência específica e um factor <strong>de</strong>cisivo <strong>de</strong> análise e representação<strong>da</strong>s coisas e dos homens, que a sátira é consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> um elemento artístico fun<strong>da</strong>mental.78Op. cit. Hodgart, Matthew, La sátira, Madrid, Ediciones Gua<strong>da</strong><strong>rra</strong>ma, 1969.79Quem não con<strong>de</strong>na a repressão <strong>de</strong> que a professora é vítima, aquando do episódio <strong>da</strong>s composiçõesdos miúdos? (Quem me <strong>de</strong>ra ser on<strong>da</strong>) Ou então, quem fica indiferente à ambição <strong>de</strong> Adérito?(Crónica <strong>de</strong> Um Mujimbo)432007 E-BOOK CEAUP
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