Marta <strong>de</strong> Oliveira<strong>da</strong>, abanava as orelhas e voltava a tentar furar a ro<strong>da</strong>. Os garotos enxotavame ele repetia a cena até que numa a<strong>rra</strong>nca<strong>da</strong> veloz passou no meio <strong>da</strong>s pernas<strong>da</strong> professora e fugiu”.(p. 29)Os elementos simbólicos (“cor<strong>da</strong>”, “trela”, “ro<strong>da</strong>”, “círculo” e “centro”)semantizam relações <strong>de</strong> centrali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Desprendido <strong>da</strong> “cor<strong>da</strong>”, que nãolhe permitia ser livre, o porco é visto pelos miúdos como uma atracção.“Sem trela”, e apesar do espaço restrito, este é convi<strong>da</strong>tivo à liber<strong>da</strong><strong>de</strong>.Para obtê-la há que quebrar as forças <strong>de</strong> equilíbrio que se estabelecementre o “centro” e o “círculo”. Assim, o “centro” assume o papel <strong>de</strong>“auscultação-avaliação” <strong>da</strong> acção a realizar: romper com a “ro<strong>da</strong>” quefecha o “círculo” à liber<strong>da</strong><strong>de</strong> (Hilário:2006:56-57).Neste contexto, Carnaval <strong>da</strong> Vitória opta pela liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas acabapor ser recuperado pelos miúdos, <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> confusão geral, numa lojado povo. Em consequência, os miúdos ama<strong>rra</strong>m (249) novamente o animal,<strong>de</strong>sta forma, “(re)estabelece-se o seu simbolismo: o que possui e o que épossuído fecham as extremi<strong>da</strong><strong>de</strong>s” (i<strong>de</strong>m:58).Manuel Rui visa, analogicamente, o próprio i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> burguesa:“Num espaço, num tempo (Fevereiro), nas canções contra África do Sul econtra o po<strong>de</strong>r, tudo isso leva ao Carnaval – o Carnaval <strong>da</strong> Vitória! Contudo,no final, o próprio Carnaval <strong>da</strong> Vitória acaba morto... As analogiassão evi<strong>de</strong>ntes” (250) .Seria pertinente aten<strong>de</strong>r na semântica do vocábulo – Carnaval, se,por um lado, personifica a <strong>da</strong>ta histórica que marca a vitória <strong>da</strong>s forçasdo MPLA (251) , por outro lado, é a própria socie<strong>da</strong><strong>de</strong> angolana que acabapor ser “carnavaliza<strong>da</strong>” no corpus em estudo.116249Os miúdos percebem a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Carnaval em roer a cor<strong>da</strong>, Zeca pensa em soltá-lo, mas o medodo pai prevalece sobre esse <strong>de</strong>sejo: “a cor<strong>da</strong> <strong>de</strong>ve ser vista não apenas numa simbólica <strong>de</strong> eixo, fio ou trela,que estabelece uma relação <strong>de</strong> posse-possuído, simultaneamente restrição <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas também esobretudo na complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> cor<strong>da</strong> com nós (...). Carnaval <strong>da</strong> Vitória tenta, persegue a liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, e àscrianças <strong>de</strong>sponta o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfazer os nós criados, isto é, proce<strong>de</strong>r a uma libertação que <strong>de</strong>ve ser concretiza<strong>da</strong>na or<strong>de</strong>m exactamente inversa <strong>da</strong> que permitiu a sua confecção”. I<strong>de</strong>m, op. cit. p. 60.250Op. cit. Entrevista em anexo, p. 165.251Simbolizando a festa que marca a <strong>de</strong>rrota do FNLA, aquando <strong>da</strong> incursão sul-africana ao sul dopaís em 1976, <strong>da</strong>ta significativa na História <strong>de</strong> Angola e comemora<strong>da</strong> a 27 <strong>de</strong> Março. Isménia <strong>de</strong> Sousa(1996) <strong>de</strong>staca ain<strong>da</strong> o facto <strong>de</strong> ter sido proibi<strong>da</strong> na capital angolana, poucos anos antes do 25 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong>1974, a celebração do Carnaval. Seria <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> in<strong>de</strong>pendência que a capital teria o seu primeiro carnavallivre, ou seja, o Carnaval <strong>da</strong> Vitória.E-book CEAUP 2007
<strong>Na</strong>(<strong>rra</strong>)ção satírica e humorística: uma <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel RuiAssim sendo, o Carnaval é uma forma <strong>de</strong> expressão <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>,utiliza<strong>da</strong> muitas vezes para criticá-la, e, tendo como raiz a paródia, acarnavalização, em <strong>obra</strong>s como Quem me <strong>de</strong>ra ser on<strong>da</strong>, Crónica <strong>de</strong> UmMujimbo, ou 1 Morto & Os Vivos <strong>de</strong>staca-se com traços que tocam umavisão do mundo, em que os valores estão invertidos.O Carnaval, enquanto facto social, é, <strong>de</strong>sta forma, aproveitado pelaliteratura, que <strong>de</strong>le se serve não como facto literário, mas como factocultural, visando uma ridicularização <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s situações, comportamentosou personagens (Cerqueira:1997) (252) .Neste caso, os comportamentos representantes <strong>de</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong>,<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados tipos sociais, particularmente <strong>da</strong> burguesia, será carnavaliza<strong>da</strong>,ou melhor, parodia<strong>da</strong> pela sátira e humor do na<strong>rra</strong>dor.Concomitantemente, o nome Carnaval, assume uma dupla função,pois, por um lado, personifica a festa <strong>da</strong> vitória do MPLA, assim comoa celebração <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> in<strong>de</strong>pendência, e, por outro, reflecte aparodização <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados comportamentos sociais.Curiosamente, Carnaval <strong>da</strong> Vitória é morto no dia <strong>de</strong> Carnaval!As questões finais impõem-se: será esta a altura <strong>de</strong> se celebrar umnovo Carnaval? Um Carnaval utópico e livre <strong>de</strong> ama<strong>rra</strong>s como o i<strong>de</strong>alque o próprio título <strong>da</strong> <strong>obra</strong> ence<strong>rra</strong>? O que não se ence<strong>rra</strong> são as questõesque este final coloca ao leitor.117252Cerqueira, Dorine Daisy Pereira, “Macunaíma: discurso paródico e carnavalizante <strong>da</strong> nacionali<strong>da</strong><strong>de</strong>brasileira” in Cristovão, Fernando [et alli], <strong>Na</strong>cionalismo e regionalismo nas literaturas lusófonas,Lisboa, Edições Cosmos, 1997.2007 E-BOOK CEAUP
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