Marta <strong>de</strong> Oliveira136É iniludível, em to<strong>da</strong> a <strong>obra</strong> <strong>de</strong> Manuel Rui, a existência <strong>de</strong> um impulsoten<strong>de</strong>nte à construção teatral (280) . E não são só as personagens quepermitem esta idiossincrasia, mas também a linguagem e o uso que oautor <strong>de</strong>la faz.Opta por uma estrutura na<strong>rra</strong>tiva simples e atraente, escrevendono registo <strong>da</strong> orali<strong>da</strong><strong>de</strong> quotidiana. Assim, a atitu<strong>de</strong> linguística <strong>de</strong> ManuelRui é intencional, cheia <strong>de</strong> inovações (281) , ao mesmo tempo querecupera expressões tipicamente angolanas, nomea<strong>da</strong>mente na linguagemestereotipa<strong>da</strong>.Um dos elementos que contribuem para emprestar ao estilo <strong>de</strong> ManuelRui a sua mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> e intemporali<strong>da</strong><strong>de</strong> é, sem dúvi<strong>da</strong>, a sua relaçãocom a língua fala<strong>da</strong>, tanto no vocabulário como na sintaxe. Nestahá todo um movimento afectivo <strong>da</strong> conversação. Num estilo comum, ouseja, compreensível a to<strong>da</strong> a gente, essencialmente comunicativo.Para Isménia <strong>de</strong> Sousa (1996:122) as falas <strong>da</strong>s personagens estão sempreimpregna<strong>da</strong>s <strong>de</strong> “trouvailles”, privilegiando a criativi<strong>da</strong><strong>de</strong> linguística.Os exemplos são lexicais: “Ramalho Eanes” – como metonímia do vinhoportuguês; “morteiro” – corruptela <strong>de</strong> Mosteiro, vinho brasileiro importadoe com má fama; neologismos como “<strong>de</strong>sconseguir”e “<strong>de</strong>sencon<strong>de</strong>r”.O coloquialismo permitirá um melhor enquadramento <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong>scrita no cenário <strong>da</strong> rua e do quotidiano. Desta forma, o vocabulárioencontra-se repleto <strong>de</strong> termos concretos, alguns <strong>de</strong>les técnicos <strong>de</strong> linguagemfamiliar, com prefixos e sufixos expressivos “zaragatear”; “embi<strong>rra</strong>ção”;“açambarca” (Quem me <strong>de</strong>ra ser on<strong>da</strong>); “barulhar” “<strong>de</strong>sconseguir”(Crónica <strong>de</strong> um Mujimbo).A linguagem quotidiana será apresenta<strong>da</strong> no seu registo popular“panquê”; “giboiar” (Quem me <strong>de</strong>ra ser on<strong>da</strong>) (282) .A temática do dia-a-dia é, <strong>de</strong>sta forma, apresenta<strong>da</strong> com concisão esimultaneamente liber<strong>da</strong><strong>de</strong> formal.Como já fizemos alusão, o na<strong>rra</strong>dor regista o discurso oral <strong>da</strong>s personagens,<strong>da</strong>í a linguagem ser tão rica em marcas político-i<strong>de</strong>ológicas,facto que marca o período pós-in<strong>de</strong>pendência.280Debruçar-nos-emos sobre este assunto no capítulo seguinte.281Vitalizando as inovações <strong>de</strong> Luandino.282Recorre muitas vezes, especialmente no diálogo, à variante angolana popular do português.E-book CEAUP 2007
<strong>Na</strong>(<strong>rra</strong>)ção satírica e humorística: uma <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel RuiA linguagem será, à semelhança <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, carnavaliza<strong>da</strong>. Aapropriação <strong>de</strong> uma metalinguagem doutrinária (Quem me <strong>de</strong>ra seron<strong>da</strong>) com conotação marxista (283) , utiliza<strong>da</strong> pelas diferentes personagensprovoca o riso e o cómico.A nível lexical, a combinação <strong>de</strong> vocábulos pertencentes a diferentescategorias gramaticais existentes, na língua portuguesa, resulta naformação <strong>de</strong> neologismos com sentidos novos e que ultrapassaram ossignificados <strong>de</strong> elementos linguísticos que os constituem, funcionandocomo “mise en abime” <strong>da</strong>s estruturas sintácticas e do próprio processo<strong>de</strong> escrita “bocam”, “tanchar”, “emborcou” (Crónica <strong>de</strong> Um Mujimbo).Numa economia discursiva, a maior parte dos lexemas expressamuma nova dimensão linguística. Assim, algumas palavras compostasjustapõem-se simplesmente, reunindo elementos <strong>de</strong> categorias gramaticaissemelhantes ou distintas. O lexema po<strong>de</strong>rá aglutinar as duas palavrasnuma só, ou então hifenizá-las: “peixefritismo” (Quem me <strong>de</strong>ra seron<strong>da</strong>); “marchatrás” (Crónica <strong>de</strong> Um Mujimbo); “à-vonta<strong>de</strong>” (Crónica <strong>de</strong>Um Mujimbo).Desta forma, as varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s do português aliam-se ao uso <strong>de</strong> novaspalavras e locuções <strong>de</strong> origem diversifica<strong>da</strong>.Concomitantemente, são notórios os traços <strong>de</strong> enraizamento <strong>de</strong> umalíngua viva, on<strong>de</strong> encontramos o aportuguesamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>spalavras: “faine”, “oquei” (284) (Quem me <strong>de</strong>ra ser on<strong>da</strong>).Fernando Hilário (2006) caracteriza o discurso na<strong>rra</strong>tivo do autor,nomea<strong>da</strong>mente em Quem me <strong>de</strong>ra ser on<strong>da</strong>, como “rápido, incisivo,subserviente do essencial, <strong>de</strong>sobrigado do supérfulo. Percebe-se, pois,que irá ser conta<strong>da</strong> uma estória <strong>de</strong> episódios essenciais, <strong>de</strong> linguagemaclimata<strong>da</strong> às personagens intervenientes e em economia discursiva”(i<strong>de</strong>m:40).Com efeito, a escrita traduz a cadência <strong>da</strong> fala, por vezes, porconstruções sintácticas e usos <strong>de</strong> aspas que dão conta do entrosamentodo discurso <strong>de</strong> personagens no <strong>de</strong> outras, ou no do na<strong>rra</strong>dor, comutilização do morfema introdutório do discurso: “masé” (1 Morto &Os Vivos).137283É frequente o uso literário dos novos vocábulos surgidos durante a gue<strong>rra</strong> pela in<strong>de</strong>pendência.284Verifica-se o anglicanismo registado foneticamente2007 E-BOOK CEAUP
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