Marta <strong>de</strong> OliveiraDa Palma <strong>da</strong> Mão (1998), por exemplo, compila textos diversos,todos eles próximos <strong>da</strong> crónica.A actuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e contemporanei<strong>da</strong><strong>de</strong> são <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo <strong>de</strong>staca<strong>da</strong>spelo autor que epigrafa a advertência às avessas “Isso é a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> equalquer semelhança com a ficção é mera coincidência” (Rui:1998) (100) ,neste caso, as estórias são, ironicamente, <strong>de</strong>stina<strong>da</strong>s a um escalão etárioque exclui as crianças: “estórias infantis para adultos” (subtítulo),apesar <strong>de</strong> muitos dos protagonistas <strong>de</strong>stas mesmas “estórias” serem ascrianças (101) . A crítica social e incisiva nos diferentes parâmetros <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong>stitui a sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e inocência <strong>da</strong>s crianças que pauta<strong>da</strong>spela ingenui<strong>da</strong><strong>de</strong> e ver<strong>da</strong><strong>de</strong> marcam a oposição a um mundo <strong>de</strong> adultose <strong>de</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s nefastas (102) .Remeti<strong>da</strong> a na<strong>rra</strong>tiva ao estatuto <strong>de</strong> infantil, Da palma <strong>da</strong> mão contrapõeo ambíguo e o francamente caricatural <strong>de</strong> uma literatura nacional,que, como quase to<strong>da</strong> a <strong>obra</strong> <strong>de</strong> Manuel Rui, manifesta uma relação difícilentre os dois elementos do tropo enunciado por Bhabha (1990) (103) :nação e na<strong>rra</strong>ção.A criança é, neste sentido, a presença recorrente, contrária ao adultoe às suas práticas sociais negativas, consistindo na riqueza <strong>de</strong>stanação (104) , também ela jovem (105) .48100O autor surpreen<strong>de</strong> o leitor jogando ironicamente com as palavras. O alerta introdutório surgecomo artifício literário, contrariamente àquilo que seria <strong>de</strong> esperar, como quem diz, atenção! Eu estoua falar <strong>de</strong> pessoas reais, <strong>de</strong> uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que não vive só neste livro. Como tal, os leitores têm o direito<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s pessoas na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. São personagens, no fundo, mais ricas porquefiguras sociais.101Sobre este assunto ver o capítulo do nosso trabalho: “As crianças – realização <strong>da</strong> utopia”.102Tal como em Quem me <strong>de</strong>ra ser on<strong>da</strong>.103Bhabha, Homi, <strong>Na</strong>tion and na<strong>rra</strong>tion, London. Routledge, 1990.104Weber (1982:202) <strong>de</strong>fine nação nos seguintes termos: “o conceito indubitavelmente significa,acima <strong>de</strong> tudo, que po<strong>de</strong>mos a<strong>rra</strong>ncar <strong>de</strong> certos grupos <strong>de</strong> homens um sentimento específico <strong>de</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong>frente a outros grupos. Assim, o conceito pertence à esfera dos valores”. Weber, Max, Elementos<strong>de</strong> Sociologia, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Záhar Editores, 1982. Por sua vez, Fonseca (2001:168) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que o conceito<strong>de</strong> nação “tem vindo a ser aproximado <strong>da</strong> noção <strong>de</strong> “lugar simbólico” ou, para usar a expressão <strong>de</strong>Benedict An<strong>de</strong>rson “uma comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> imaginária”. Salienta-se assim que, para além <strong>de</strong> uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>material verificável, por exemplo, através <strong>da</strong> existência <strong>de</strong> instituições e <strong>de</strong> um território limitado porfronteiras, a nação existe porque há uma comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> que, embora heteróclita, possui uma mesma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>nacional”. Fonseca, Ana Margari<strong>da</strong>, “Processos <strong>de</strong> Construção <strong>da</strong> I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>Na</strong>cional e Culturalna Ficção Angolana e Portuguesa Pós-colonial – Um Contributo”, in Seruya, Teresa et Moniz, Maria Lin,Histórias Literárias Compara<strong>da</strong>s, Lisboa, Edições Colibri, 2001.105Enquanto Estado-<strong>Na</strong>ção.E-book CEAUP 2007
<strong>Na</strong>(<strong>rra</strong>)ção satírica e humorística: uma <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel RuiAs <strong>de</strong>núncias feitas pelo escritor, tal como aquelas que se registaramem <strong>obra</strong>s contemporâneas ao autor, inscritas na vertente <strong>da</strong> sátira social,<strong>de</strong>monstram, embora procurem poupar a direcção política do país, que aopção socialista pouco ou na<strong>da</strong> <strong>de</strong>terminou no sentido <strong>da</strong> sua neo-patrimonização(106) (Venâncio:2000).A mestria do na<strong>rra</strong>dor revela-se na agregação do grotesco com ohumor, aquele humor que po<strong>de</strong>remos avaliar o humor sorriso – “sorrisodo espírito” (Guérard:1998), mas um sorriso simultaneamentetriste e reflexivo.Parece-nos que Manuel Rui vai <strong>de</strong> encontro à <strong>de</strong>finição apresenta<strong>da</strong>por Alfredo Bosi (2000:191-192): “na luta contra a i<strong>de</strong>ologia e o estilo vigentes,o satírico e o parodista <strong>de</strong>vem imergir resolutamente na própriacultura. É <strong>de</strong>la que falam, é a ela que se dirigem. Tal imersão não se fazsem riscos e arrepios: não há nenhum outro género que <strong>de</strong>nuncie mais<strong>de</strong>pressa o partido do escritor, as suas antipatias, mas também as suasambigui<strong>da</strong><strong>de</strong>s morais e literárias” (107) .A actuali<strong>da</strong><strong>de</strong> é ain<strong>da</strong> trata<strong>da</strong> na <strong>obra</strong> O Manequim e o Piano(2005) (108) . Neste romance, Manuel Rui serve-se <strong>de</strong> um na<strong>rra</strong>dor particular(109) . A na<strong>rra</strong>tiva vai sendo construí<strong>da</strong>, quase exclusivamente,pelos diálogos entre Van<strong>de</strong>r, Alfredo e restantes personagens, num continuumfluente.Logo no início <strong>da</strong> <strong>obra</strong>, o leitor <strong>de</strong>para-se com uma <strong>de</strong>scrição “espacialelabora<strong>da</strong> por uma voz que se pensa logo ser a do na<strong>rra</strong>dor letrado,cúmplice <strong>da</strong> natureza que faz emergir pela falta compulsiva, sem pontuação,e em que nos faz imergir poeticamente. De repente, interrompendoesta fala indoma<strong>da</strong>, surge interparenteticamente uma espécie <strong>de</strong>marcação, ao mesmo tempo como se fosse rubrica e réplica dramática(<strong>de</strong>sta matéria falava a fala <strong>de</strong> Alfredo). Sua função, como a <strong>leitura</strong> <strong>de</strong>monstrará,será, com frequência, a <strong>de</strong> localizar os falantes e/ou na<strong>rra</strong>-49106O conceito <strong>de</strong> neo-patrimonialismo traduz situações em que o po<strong>de</strong>r do governante é excessivoe está <strong>de</strong>limitado entre a tradição e o arbítrio, don<strong>de</strong> o partido único é <strong>de</strong>corativo. A separação entre públicoe privado é ténue, havendo uma promiscui<strong>da</strong><strong>de</strong> entre público e privado, vulgarmente <strong>de</strong>signa<strong>da</strong> porcorrupção. Encontra teorias equivalentes na teoria marxista. Cf. Venâncio, José Carlos, O Facto Africano,Elementos para uma Sociologia <strong>de</strong> África, Lisboa, Vega Editores, 2000, p. 89 e segs.107Bosi, Alfredo, O Ser o Tempo <strong>da</strong> Poesia, São Paulo, Companhia <strong>da</strong>s Letras, 2000.108A <strong>obra</strong> parece-nos uma longa conversa reflexiva, pon<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>, crítica e atenta do real e do espiritual.109<strong>Uma</strong> espécie <strong>de</strong> anotador.2007 E-BOOK CEAUP
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