Marta <strong>de</strong> Oliveirasamento), colocando assim o código animal ao serviço <strong>da</strong> interpretaçãoe avaliação do preceito humano.A paródia (246) , o ridículo e o absurdo <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s situações assentamo comportamento do porco ao serviço do cómico e do risível.O porco vai sofrendo uma progressiva alteração, sendo que à ina<strong>da</strong>ptaçãoinicial, seguir-se-á um aburguesamento e contentamento gra<strong>da</strong>tivos.Em última instância po<strong>de</strong>mos aduzir que o i<strong>de</strong>al burguês é visadona sua “sofreguidão”, “voraci<strong>da</strong><strong>de</strong>”, “ignorância”, “glutonice”, “luxúria”e “egoísmo” (247) .O porco passará a “Carnaval (248) ”, quando Ruca o baptiza. Posteriormente,sofrerá a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> “Carnaval <strong>da</strong> Vitória”, em consequência<strong>da</strong> luta contra o “inimigo”, neste caso, o fiscal.A analepse na<strong>rra</strong>tiva permite-nos conhecer o passado do porco:“Era dos seres vivos que mais benefícios haviam tirado com a revolução.<strong>Na</strong>scido <strong>de</strong> uma ninha<strong>da</strong> <strong>de</strong> sete, sobrevivera na sub<strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> chafur<strong>da</strong><strong>da</strong> beira-mar <strong>da</strong> Corimba. Aí se habituara às dietas improvisa<strong>da</strong>s, cujabase fun<strong>da</strong>mental eram espinhas <strong>de</strong> peixe. <strong>Na</strong>s confusões <strong>da</strong> areia, cedo elee seus irmãos se libertaram <strong>da</strong> tutela maternal. Metiam focinho em tudo.Roupa que estava a secar biquinis <strong>de</strong> banhistas nocturnas. E mesmo panelasprontas <strong>de</strong> comi<strong>da</strong> quente eles entornavam e, se vinham as proprietáriasvergastá-los com ramos <strong>de</strong> palmeiras. Eles corriam noutra confusão. Ninha<strong>da</strong>que ficou precoce porque a mãe, no lhes ensinar travessias do asfalto <strong>de</strong>Corimba, fez um aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> trânsito com um batedor ce-pê-pê-à motorizado.(...) “carnaval <strong>da</strong> vitória” valeu uma transferência <strong>de</strong> cinco gra<strong>de</strong>s “cuca”vasilhames fora”.(p. 23)114246Jardon Denise (1988: 187-188) perante a frase <strong>de</strong> Bakhtine, em epigrafe, neste capítulo, <strong>de</strong>stacaquatro aspectos <strong>de</strong>corentes: “toutes les distances sont abolies et les contacts entre les gens <strong>de</strong> tout âge et<strong>de</strong> toute classe sociale <strong>de</strong>viennent libres et familiers”; “l´excentricité est <strong>de</strong> mise”; “c´est le lieu <strong>de</strong>s mésalliances,<strong>de</strong>s alliances saugrenues”; “le lieu par excellence <strong>de</strong> la profanation”. Denise, Jardon, Du comique<strong>da</strong>ns le texte literaire, Bruxelles, De Boeck-Ducolot, 1988.247Cf. A simbologia do animal evi<strong>de</strong>ncia<strong>da</strong> por Jean Chevalier et Alain Gheerbrant, op. cit. p. 537.248De salientar a importância <strong>de</strong>sta festivi<strong>da</strong><strong>de</strong> para os angolanos: “festa muito sua <strong>de</strong> actualização,também do histórico 4 <strong>de</strong> Fevereiro, tempo <strong>de</strong> eleição para <strong>da</strong>r largas à transformação plástica, à máscara,à música, aos cânticos, à <strong>da</strong>nça; exercício <strong>de</strong> exornação, <strong>de</strong> representação ou dramatização <strong>da</strong> ancestrali<strong>da</strong><strong>de</strong>ou <strong>de</strong> uma repercussão mais próxima no tempo, ligação ou actualização ritológica e até mitológica,ou o exorcizar <strong>da</strong>s afectações <strong>de</strong>moníacas mais ou menos distantes ou actuais”. Hilário, Fernando, op.cit. p. 128.E-book CEAUP 2007
<strong>Na</strong>(<strong>rra</strong>)ção satírica e humorística: uma <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> na<strong>rra</strong>tiva <strong>de</strong> Manuel RuiEm casa <strong>de</strong> Diogo, o porco era um privilegiado:“Porco raro. Agora não chafur<strong>da</strong>va nos areais vadios. Comia <strong>de</strong> umhotel <strong>de</strong> primeira; nos restos vinham panados, sala<strong>da</strong>s mistas, camarões,maioneses, lagosta, bolo inglês, outras coisas sempre a variar. (...) Iniciava--se nos gostos musicais. Se roncava protestos, Diogo man<strong>da</strong>va logo a mulherou um dos filhos levantar o rádio para abafar <strong>de</strong>núncia <strong>da</strong> presença do porco(...). Mas que o porco vivia, isso sim. Pancar, dormir, ouvir música e fazerporcarias malcheirosas <strong>de</strong> porco. (...) Lavado também que era com sabã<strong>obra</strong>sileiro e tudo, tantos éfes e erres que vivia que nem um embaixador! E osmiúdos mimoseavam-lhe festas, acariciavam-lhe a barriga até ele, domesticado,se estatelar quase a dormir e <strong>de</strong>pois respon<strong>de</strong>r pelo nome: “carnaval<strong>da</strong> vitória””.(p. 23-24)O animal era tratado pelos miúdos como um membro <strong>da</strong> família,estes preocupavam-se com o seu bem-estar e ensinavam-lhe as proezasdos animais domésticos:“O suíno estava culto, quase protocolar. Maneirava vénias <strong>de</strong> obséquiocom o focinho e apren<strong>de</strong>ra a acenar com a pata direita, além <strong>de</strong> se pôr<strong>de</strong> papo para o ar à mínima cócega que um dos miúdos lhe oferecesse nabarriga”.(p. 25)Carnaval <strong>da</strong> Vitória funciona, <strong>de</strong> certa forma, como personagem--tipo, uma vez que, tal como já mencionámos, imita os padrões burgueses,vê televisão, ouve rádio, come torrões <strong>de</strong> açúcar e não trabalha.As crianças elegiam-no como herói <strong>da</strong>s suas histórias. É, aliás, temacentral <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as composições escritas e <strong>de</strong>senhos <strong>da</strong> escola e que valeramuma repreensão à professora.É também na escola que ocorre um dos episódios simbólicos <strong>de</strong> Carnaval<strong>da</strong> Vitória. Quando Zeca e Ruca levam o porco para o recreio <strong>da</strong>escola, e em círculo, o animal brinca com as crianças e a professora:115“O porco an<strong>da</strong>ndo <strong>de</strong> um lado para o outro a <strong>da</strong>r encontro nos miúdos,e voltava para o meio do círculo em veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> corri<strong>da</strong>. Fazia pausa para-2007 E-BOOK CEAUP
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