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A RELÍQUIA

Untitled - Luso Livros

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num negro, todo nu, estirado ao pé de uma coluna, dormindo placidamente.Por vezes o clamor sacro de um órgão ressoava, rolava pelos mármores danave, morria com um sussurro de vaga espraiada; e logo mais longe um cantoarménio, trémulo e ansioso, batia os muros austeros como a palpitação dasasas de uma ave presa que quer fugir para a luz. Junto de um altar apartei doisgordos sacristães, um grego, outro latino, que se tratavam furiosamente debirbantes, esbraseados, cheirando a cebola; e fui de encontro a um bando deromeiros russos de grenhas hirsutas, vindos decerto do Cáspio, com os pésdoloridos embrulhados em trapos, que não ousavam mover-se, enleados deterror divino, torcendo o barrete de feltro entre as mãos, de onde lhespendiam grossos rosários de vidro. Crianças, em farrapos, brincavam naescuridão das arcarias; outras pediam esmola. O aroma do incenso sufocava; epadres de cultos rivais puxavam-me pela rabona para me mostrarem relíquias,rivais, heroicas ou divinas — uns as esporas de Godofredo, outros um pedaçode cana verde.Atordoado, enfileirei-me numa procissão penitente — onde eu julgaraentrever, brancas, altivas, entre véus pretos de arrependimento, as duas penasde gaivota. Uma carmelita, à frente, resmungava a ladainha, detendo-nos acada passo, arrebanhados num assombro devoto, à porta de capelascavernosas, dedicadas à paixão — a do Impropério, onde o Senhor foiflagelado, a da Túnica, onde o Senhor foi despido. Depois subimos, de tochasna mão, uma escadaria tenebrosa, escavada na rocha... — E subitamente todo

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