25.08.2015 Views

A RELÍQUIA

Untitled - Luso Livros

Untitled - Luso Livros

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

A Adélia começara a andar pensativa e distraída. Tinha às vezes, quando eulhe falava, uni modo de dizer "hem?", com o olhar incerto e disperso, que eraum tormento para o meu coração. Depois um dia deixou de me fazer a caríciamelhor, que eu mais apetecia, a penetrante e a regaladora beijoca na orelha.Sim, decerto permanecia terna... Ainda dobrava maternalmente o meu paletó;ainda me chamava riquinho; ainda me acompanhava ao patamar em camisa,dando, ao descolar do nosso abraço, esse lento suspiro que era para mim amais preciosa evidência da sua paixão; mas já me não favorecia com abeijoquinha na orelha.Quando eu entrava abrasado, encontrava-a por vestir, por pentear, mole,estremunhada e com olheiras. Estendia-me a mãozinha desamorável,bocejava, colhia preguiçosamente a viola; enquanto eu, a um canto, chupandocigarros mudos, esperava que se abrisse a portinha envidraçada da alcova quedava para o céu, a desumana Adélia, estirada no sofá, de chinelas caídas,beliscava os bordões, murmurando, por entre longos ais, cantigas de estranhasaudade...Num arranco de ternura, eu ia ajoelhar-me à beira do seu peito. E lá vinhalogo a dura, a regelada palavra:— Está quieto, carraça!E recusava-me sempre o seu carinho. Dizia-me: "não posso, estou com azia .Dizia-me: "adeus, tenho a dor na ilharga".

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!