FuoriAsse #19
Officina della cultura
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Apenas a título de exemplo, observando<br />
a proposta de Harold Bloom no que à<br />
Literatura Portuguesa se refere, anotei<br />
• um imenso desequilíbrio compositivo<br />
no contraste entre épocas silenciadas<br />
e outras de grande concentração de<br />
autores: 2 do séc. XVI (Luís Vaz de<br />
Camões e António Ferreira), 1 do séc.<br />
XIX (Eça de Queirós) e 6 do séc. XX (Fernando<br />
Pessoa, Jorge de Sena, José Saramago,<br />
José Cardoso Pires, Sophia de<br />
Mello Breyner e Eugénio de Andrade), 5<br />
dos quais da mesma geração” 10 ;<br />
• a falta de coincidência entre a proposta<br />
de Bloom e os protagonistas dessa<br />
reflexão (autores, teóricos, críticos, professores,<br />
investigadores): o auto-reconhecimento<br />
e o hetero-reconhecimento<br />
não se identificam.<br />
Cânone Literário<br />
Poderia continuar a fazer um levantamento<br />
de aspectos que marcam a reflexão<br />
que informa a do Cânone Literário,<br />
mas avancemos para este.<br />
Na desejada e importante constituição<br />
de um Cânone como instrumento de for<br />
mação identitária da comunidade que<br />
por essa designação se sente abrangida,<br />
as dificuldades de realizar tal desiderato,<br />
muitas e diversificadas, têm sido<br />
motivo de sistemática reivindicação de<br />
que ele resulte de proposta dos próprios:<br />
de cada Literatura e comunidade,<br />
entendendo por esta o conjunto dos<br />
seus protagonistas (autores, teóricos,<br />
críticos, professores, investigadores),<br />
com destaque para os seus “artífices”.<br />
No caso do Cânone Lusófono, a proposta<br />
de Fernando Cristóvão mais longe:<br />
concretiza critérios para a constituição<br />
dos seus principais instrumentos de<br />
trabalho, as antologias, séries e hi-<br />
stórias literárias conjuntas 11 .<br />
No entanto, os problemas e as dificuldades<br />
espreitam. Lembro apenas alguns.<br />
Para o Cânone Literário: alguns problemas<br />
Plural ou singular?<br />
Observar os manuais e as Histórias da<br />
Literatura confronta-nos com a metamorfose<br />
do cânone literário: cada época<br />
vai desenvolvendo uma hermenêutica<br />
cultural identitária que se esclarece, ilumina<br />
e documenta em manifestações<br />
artísticas diversas, em que cada obra<br />
vale por si e no diálogo com as outras,<br />
conformando um sistema significante<br />
com sintonia própria, epocal, estética,<br />
cultural.<br />
Como numa sinfonia, cada obra funciona<br />
à semelhança de um instrumento<br />
cujo som complementa o dos outros,<br />
todos contribuindo para o conjunto.<br />
Estas complementaridade e confluência<br />
em nada eliminam a dissonância, que<br />
pode evidenciar-se em contraste com a<br />
composição de conjunto. Peças de um<br />
puzzle, fio de uma tapeçaria… pouco<br />
importa a imagem, importa, sim, que se<br />
reconheça a importância da cultura para<br />
a plena avaliação da capacidade de<br />
qualquer obra significar, ir significando,<br />
de modo a que a comunidade nela se reconheça,<br />
a reconheça e a faça reconhecer<br />
à alteridade.<br />
Ora, esta dimensão também cultural do<br />
cânone implica um reconhecimento da<br />
sua variabilidade, no espaço e no tempo,<br />
da sua inscrição no diálogo das<br />
artes e da importância do consenso comunitário<br />
e da alteridade. Assim confluem<br />
nele o conjuntural e o estrutural<br />
estético-culturais que promovem os reconhecimentos<br />
identitários.<br />
10 Ibidem, pp. 35-36.<br />
11Cf. Sugestões de critérios convergentes prévios para a formação e definição de um cânone lusófono.<br />
FUOR ASSE 49<br />
Redazione Diffusa