para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro
para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro
para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
polissema 7 2007 136<br />
<strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte, mas rica <strong>de</strong> tradições, o mister <strong>de</strong> recor<strong>da</strong>r o passado é <strong>uma</strong> espécie <strong>de</strong> magistratura<br />
moral, é <strong>uma</strong> espécie <strong>de</strong> sacerdócio. Exercitem-no os que po<strong>de</strong>m e sabem; porque <strong>não</strong> o fazer é<br />
um crime (O Bobo: 13).<br />
Fazendo lembrar os ricorsi <strong>de</strong> Vico, e parecendo i<strong>de</strong>ntificar o cristianismo com<br />
<strong>uma</strong> história i<strong>de</strong>al, Alexandre Herculano parece reconhecer, na história do povo<br />
português, ciclos <strong>de</strong> crescimento e <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência, à maneira <strong>de</strong> Vico e <strong>de</strong> Her<strong>de</strong>r,<br />
filósofos <strong>da</strong> história que renega noutro lado 16 . Ele acredita num ricorso viquiano, porque<br />
acredita nas potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s do povo e na capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> arte <strong>para</strong> o influenciar:<br />
E a arte? Que a arte em to<strong>da</strong>s as suas formas externas represente este nobre pensamento;<br />
que o drama, o poema, o romance sejam sempre um eco <strong>da</strong>s eras poéticas <strong>da</strong> nossa terra. Que o<br />
povo encontre em tudo e por to<strong>da</strong> a parte o gran<strong>de</strong> vulto dos seus antepassados. Ser-lhe-á<br />
amarga a com<strong>para</strong>ção. Mas como ao inocentinho infante <strong>da</strong> Jerusalém Liberta<strong>da</strong>, homens <strong>da</strong><br />
arte, aspergi <strong>de</strong> suave licor a bor<strong>da</strong> <strong>da</strong> taça on<strong>de</strong> está o remédio que po<strong>de</strong> salvá-lo (O Bobo: 13-<br />
14).<br />
Conclusão<br />
O historicismo <strong>de</strong> Herculano, presente em to<strong>da</strong> a sua <strong>obra</strong> literária, preten<strong>de</strong>,<br />
como diria Na<strong>de</strong>l, explicar o que acontece "em função do momento em que acontece" 17 .<br />
Daí a extrema preocupação do historiador em mergulhar <strong>de</strong> corpo inteiro nas épocas<br />
estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s, procurando surpreendê-las em to<strong>da</strong> a sua dimensão, e isso mesmo nos dizendo,<br />
quando afirmava que <strong>não</strong> cabia<br />
n<strong>uma</strong> nota o fazer sentir esse <strong>não</strong> sei quê <strong>de</strong> majesta<strong>de</strong> escultural que conserva sempre a<br />
raça visigótica, por mais que tentemos galvanizá-la, nem o contrapor-lhe as gerações, nasci<strong>da</strong>s<br />
durante a reacção contra o islamismo, que surgem e agitam-se e vivem quando lhes aplicamos a<br />
corrente eléctrica e misteriosa que, partindo <strong>da</strong> imaginação, vai <strong>de</strong>spertar os tempos que foram,<br />
do seu calado sepulcro.<br />
16<br />
Por exemplo, na carta que escreve a Oliveira Martins, <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1872: "É certo<br />
que com a propagação dos estudos históricos sérios começou logo a filosofia <strong>da</strong> história, género <strong>de</strong><br />
romance impertinente em que Vico e Her<strong>de</strong>r têm tido sobejos imitadores. Porque <strong>não</strong> hão-<strong>de</strong> os socialistas<br />
fazer também os seus romances <strong>de</strong>ste género?" (Cartas v. 1: 228).<br />
17<br />
Na<strong>de</strong>l, G. H. 1964. "Philosophy of history before historicism". History and Theory: Studies in the<br />
Philosophy of History. V. 3, n.º 3, p. 291.