para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro
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primórdios republicanos. Não levara em conta na edificação <strong>de</strong>ssa imagem que o campo<br />
era um espaço <strong>de</strong> doença cuja representação foi cria<strong>da</strong> por Monteiro Lobato na figura <strong>de</strong><br />
Jeca Tatu, camponês acometido <strong>de</strong> amarelão e sem vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> progredir na vi<strong>da</strong>. O<br />
campo era um espaço ansiando pela cura e por isso, palco <strong>da</strong>s práticas <strong>de</strong> sanitaristas<br />
como Beli<strong>sá</strong>rio Pena que o recomen<strong>da</strong>va: botina, necatorina e latrina. E Bilac (1919: 5)<br />
complementa essa imagem do campo no <strong>de</strong>spertar republicano:<br />
“... as mais humil<strong>de</strong>s cama<strong>da</strong>s populares, manti<strong>da</strong>s na mais bruta ignorância, mostram só<br />
inércia, apatia, superstição, absoluta privação <strong>de</strong> consciência. Nos ru<strong>de</strong>s sertões, os homens <strong>não</strong><br />
são brasileiros, nem ao menos são ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros homens.”<br />
Imagens essas que confirmam a natureza quimérica <strong>da</strong>s representações do<br />
personagem sobre o mundo rural. Ao mesmo tempo Bilac chama a atenção <strong>para</strong> o<br />
<strong>de</strong>scompasso entre a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> população e a República que, em nome do<br />
nacionalismo escondia, sob matizes <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m, as diferenças do país.<br />
É na conversa <strong>de</strong> Olga com o tagarela Felizardo, também ex-escravo, que o autor<br />
nos faz chegar <strong>uma</strong> imagem mais próxima <strong>da</strong>s condições <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> do lugar. No entabular<br />
<strong>da</strong> conversa, Olga pergunta por que Felizardo <strong>não</strong> plantava <strong>para</strong> ele o qual a respon<strong>de</strong>:<br />
“Sá dona tá pensando <strong>uma</strong> coisa e a coisa é outra... Terra <strong>não</strong> é nossa. Nós <strong>não</strong> tem<br />
ferramenta... isso é bom <strong>para</strong> italiano ou “alemão”, que governo dá tudo... Governo <strong>não</strong><br />
gosta <strong>de</strong> nós... (Barreto, 1993: 96). Percebo aqui, que o autor na voz <strong>de</strong> Felizardo, tece<br />
críticas as políticas <strong>de</strong> assentamento e <strong>de</strong> incentivo à importação <strong>de</strong> força <strong>de</strong> trabalho <strong>para</strong><br />
a agricultura e <strong>de</strong>sse modo, toca em <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong> chaga <strong>da</strong> história brasileira no<br />
amanhecer republicano – a imigração estrangeira. Esta, no meu entendimento, se<br />
apresentou i<strong>de</strong>ologicamente como a solução <strong>para</strong> o perigo <strong>da</strong> incorporação <strong>de</strong> ex-escravos<br />
à socie<strong>da</strong><strong>de</strong> republicana bem como à construção <strong>de</strong> <strong>uma</strong> auto imagem nacional na qual o<br />
negro fizesse parte. Simbolizava ain<strong>da</strong>, a substituição <strong>da</strong> força <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> ex-escravos<br />
por imigrantes europeus, em geral, brancos e que dominavam os códigos <strong>da</strong> escrita. Na<br />
prática estava posta a teoria <strong>de</strong> branqueamento que se pautava, em postulados racionais e