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para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro

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polissema 7 2007 283<br />

(“Reencontrei o meu sangue, <strong>de</strong>scobri o meu nome no outro ano, em Coimbra, na<br />

selva dos livros”), mas a passagem por Lagos, “ouvert sur la mer (…)/Une seule mer aux<br />

quatre distances”, fá-lo regressar ao país natal. De facto, Lagos, como ele bem o sabe,<br />

serviu <strong>de</strong> base operacional ao Infante D. Henrique, o Navegador. Foi <strong>da</strong>í que partiram Gil<br />

Eanes, que se atreveu a d<strong>obra</strong>r em 1434 o Cabo Bojador, que até então aterrorizava os<br />

navegadores; Dinis Dias, que, em 1444, <strong>de</strong>scobriu a foz do Senegal e as ilhas <strong>de</strong> Cabo<br />

Ver<strong>de</strong>; Álvaro Fernan<strong>de</strong>s, que passou em 1448 o Cabo Naze, o “Cabo dos Mastros”,<br />

perto <strong>de</strong> Joal, <strong>não</strong> <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> erigir aí um padrão 1 ; Alvise Ca Da Mosto, que, em 1455,<br />

passou vinte e oito dias junto do <strong>da</strong>mel (rei) <strong>de</strong> Cayor, um reino costeiro do Senegal,<br />

antes <strong>de</strong> explorar as embocaduras dos rios Saloum e Gâmbia; Diogo Gomes, que, no ano<br />

seguinte, penetrou no interior <strong>da</strong>s terras até ao extremo do país mandinga…<br />

A implantação dos portugueses na “Petite côte” é quase contemporânea <strong>de</strong>stas<br />

sucessivas incursões: Rufisque, Portu<strong>da</strong>l e Joal, cujos nomes são “agradáveis ao coração<br />

e ao ouvido” do poeta, nasceram assim <strong>da</strong> vonta<strong>de</strong> dos portugueses <strong>de</strong> disporem <strong>de</strong> locais<br />

<strong>de</strong> tráfico e <strong>de</strong> agua<strong>da</strong>s em ca<strong>da</strong> um dos reinos locais, o Cayor, o Baol e o Sine,<br />

respectivamente.<br />

É preciso lembrar: “O Senegal é o país em que os europeus, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras<br />

explorações <strong>da</strong> costa africana, estabeleceram relações comerciais e criaram as suas<br />

primeiras feitorias.” 2 Pelo seu local <strong>de</strong> nascimento e pelo nome que usa, Senghor po<strong>de</strong><br />

portanto reivindicar a sua pertença a <strong>uma</strong> antiquíssima “lusitani<strong>da</strong><strong>de</strong>” e advogar a favor<br />

<strong>da</strong> mestiçagem cultural, se<strong>não</strong> mesmo biológica.<br />

Aliás, <strong>não</strong> <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> recor<strong>da</strong>r, como já vimos, a origem portuguesa do seu nome:<br />

“J’écoute au fond <strong>de</strong> moi le chant à voix d’ombre <strong>de</strong>s sau<strong>da</strong><strong>de</strong>s.<br />

Est-ce la voix ancienne, la goutte <strong>de</strong> sang portugais qui remonte du fond <strong>de</strong>s âges?<br />

Mon nom qui remonte à sa source?<br />

1 Fonte: A<strong>da</strong>ma DIOP, “Caractères et signification spatio-temporels du patrimoine bâti et <strong>de</strong>s vestiges<br />

archéologiques lusitains en Sénégambie aux XV-XVIIe siècles”, Actas do Primeiro Congresso do<br />

Património Lusitano Construído no Mundo. Fun<strong>da</strong>ção Calouste Gulbenkian. 23-27 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 1987,<br />

Lisboa. Pp. 10 e ss.<br />

2 Mamadou DIARRA. Le Sénégal, concession royale. Histoire <strong>de</strong> la colonie. Dacar, Les Nouvelles<br />

Editions Africaines, 1973, p. 13. Note-se que é pelo nome “Portugal”, adulterado <strong>para</strong> “Tougal”, que os<br />

wolofs do Senegal continuam ain<strong>da</strong> hoje a falar <strong>da</strong> Europa e, consequentemente, <strong>da</strong> França. A língua<br />

comum mantém assim a memória do encontro, há quase seis séculos, entre a Europa branca e a África<br />

negra.

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