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para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro

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polissema 7 2007 17<br />

posicionar-se a um nível que lhe oferece <strong>uma</strong> visão do espaço entre o que Sá-Carneiro diz<br />

(on<strong>de</strong> ele finge ser sincero) e a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que Sá-Carneiro vive no momento em que<br />

escreve. Ora, se o próprio Martins reconhece que ‘o real histórico é moído por <strong>uma</strong><br />

subjectivi<strong>da</strong><strong>de</strong>’, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> lhe virá a objectivi<strong>da</strong><strong>de</strong> ace<strong>de</strong>ndo-lhe <strong>uma</strong> perspectiva ‘sincera’<br />

<strong>da</strong> história <strong>de</strong> Sá-Carneiro? Na minha opinião, qualquer conjunto <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos biográficos<br />

sobre Sá-Carneiro que se po<strong>de</strong>rá utilizar <strong>para</strong> avaliar as equivalências entre o que ele diz<br />

nas suas cartas e aquilo que ele viveu nunca será <strong>uma</strong> base totalmente objectiva <strong>para</strong> fazer<br />

<strong>uma</strong> avaliação <strong>de</strong>ssas. Isto <strong>de</strong>ve-se ao facto <strong>de</strong>, por vezes, alguns <strong>de</strong>sses <strong>da</strong>dos serem<br />

fornecidos por ‘outros’ cuja subjectivi<strong>da</strong><strong>de</strong> (ou memória) po<strong>de</strong>rá afectar a sua veraci<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

De maior significado, no entanto, é a importância <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong><strong>de</strong> na avaliação em si,<br />

on<strong>de</strong> a conjectura toma o conjunto <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos biográficos e chega a <strong>uma</strong> conclusão quanto<br />

ao seu significado, oferecendo este como sendo <strong>uma</strong> opinião objectiva. Assim, se as<br />

cartas <strong>de</strong> Sá-Carneiro <strong>não</strong> po<strong>de</strong>m ser aceites como retentoras <strong>de</strong> ‘ver<strong>da</strong><strong>de</strong>s objectivas’,<br />

elas <strong>não</strong> <strong>de</strong>veriam ser analisa<strong>da</strong>s (como cartas) com a intenção <strong>de</strong> nos oferecerem<br />

informações <strong>de</strong> utili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>para</strong> a <strong>leitura</strong> <strong>da</strong>s <strong>obra</strong>s literárias <strong>de</strong> Sá-Carneiro.<br />

Contudo, como já foi referido, Martins, na sua chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> atenção <strong>para</strong> ‘artifícios<br />

<strong>de</strong> linguagem’ nas cartas como género sui generis <strong>de</strong> Sá-Carneiro, parece sugerir que elas<br />

também po<strong>de</strong>m ser avalia<strong>da</strong>s como <strong>obra</strong>s literárias (ou que, pelo menos, certos trechos <strong>de</strong><br />

certas cartas po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados como tal). No entanto, a ‘sinceri<strong>da</strong><strong>de</strong>’ ou<br />

objectivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> linguagem, ou a existência <strong>de</strong> <strong>uma</strong> estrita correlação entre a palavra e o<br />

mundo concreto, há muito que se questiona, começando, em gran<strong>de</strong> parte, por Derri<strong>da</strong>.<br />

Na visão pós-estruturalista, <strong>não</strong> existe nenhum centro organizativo actuando como<br />

garantia <strong>da</strong> possível objectivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> linguagem, mas isto aplica-se a to<strong>da</strong> a linguagem,<br />

<strong>não</strong> só à escrita ou à literatura. Daí que a inclusão <strong>da</strong>s cartas <strong>de</strong> Sá-Carneiro <strong>de</strong>ntro do<br />

campo <strong>da</strong> literatura, <strong>de</strong>vi<strong>da</strong> a <strong>uma</strong> avaliação <strong>da</strong> artificiali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> sua linguagem, <strong>não</strong> po<strong>de</strong><br />

ser concebi<strong>da</strong> em termos tão simplistas. Quer dizer, a presença <strong>de</strong> ‘artifícios <strong>de</strong><br />

linguagem’ nas cartas, só por si, <strong>não</strong> lhes confere a classificação <strong>de</strong> <strong>obra</strong>s literárias, pois<br />

to<strong>da</strong> a linguagem contém tais ‘artifícios’ sem to<strong>da</strong> ela ser literária. Mas é nesta questão <strong>da</strong><br />

artificiali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> linguagem que o meu argumento contra a análise <strong>da</strong> correspondência <strong>de</strong><br />

Sá-Carneiro como <strong>obra</strong>s literárias per<strong>de</strong> confiança.

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