para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro
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[Escrever texto]<br />
Ribeiro Rocha, como se po<strong>de</strong> ver pela <strong>leitura</strong> do comentário que ele próprio faz <strong>de</strong><br />
<strong>uma</strong> proposta no sentido <strong>de</strong> libertar qualquer infiel que recebesse baptismo 39 , <strong>não</strong><br />
<strong>de</strong>fendia o fim <strong>da</strong> escravatura ou do tráfico: «Porque este meyo [...] prejudicava à<br />
subsistencia, e continuação do commercio, aliás util, e neces<strong>sá</strong>rio ao Reino» 40 . Mais,<br />
afirma, mesmo nos casos <strong>da</strong>queles que tinham sido cativos injustamente, ser legítimo o<br />
comércio com o objectivo <strong>de</strong> resgate:<br />
«Conquanto que neste negocio naõ façaõ mais do que resgatallos, acquirindo nelles<br />
sómente hum direito <strong>de</strong> penhor, e retençaõ, em quanto lhe <strong>não</strong> pagarem o que no resgate<br />
<strong>de</strong>spen<strong>de</strong>raõ, e o premio do seu trabalho» 41 .<br />
Tal comércio, <strong>não</strong> só era lícito como, <strong>para</strong> além <strong>de</strong> um horizonte <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
trazia vantagens <strong>para</strong> os escravos que a esse título tinham sido adquiridos: «estes<br />
miseraveis gentios trazidos a terras <strong>de</strong> Christan<strong>da</strong><strong>de</strong>, recebem a santa Fé, e o sagrado<br />
Bautismo» 42 .<br />
Pelo exposto, po<strong>de</strong> concluir-se que Ribeiro Rocha <strong>não</strong> con<strong>de</strong>na nem propõe o fim<br />
<strong>da</strong> escravatura. Se é certo que ressalta <strong>da</strong>qui <strong>uma</strong> tentativa <strong>de</strong> moralizar o tráfico, também<br />
se torna claro que o texto <strong>de</strong>ste teólogo <strong>não</strong> <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> apontar, frequentes vezes, <strong>para</strong> a<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>uma</strong> escravidão injusta dos africanos posta em prática pelos seus próprios<br />
compatriotas. Assentando neste facto a justificação ou legitimi<strong>da</strong><strong>de</strong> fun<strong>da</strong>mental do<br />
tráfico praticado pelos cristãos a título <strong>de</strong> resgate, propunha, transformando este comércio<br />
num “acto pio e cristão”, <strong>uma</strong> espécie <strong>de</strong> sistema contratual que correspondia às seis fases<br />
que o título <strong>da</strong> <strong>obra</strong> refere e são explica<strong>da</strong>s no «Argumento e Razam...»:<br />
«Resgatado <strong>da</strong> escravi<strong>da</strong>õ injusta a que barbaramente o reduziraõ os seus mesmos<br />
nacionais [...], Empenhado no po<strong>de</strong>r do seu Senhor, <strong>para</strong> [...] o servir enquanto escravo em<br />
39 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p. 65.<br />
40 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p. 67.<br />
41 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p. 69.<br />
42 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, pp. 70-71.