para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro
para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro
para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
polissema 7 2007 137<br />
Desta diferença, que é mais fácil sentir que <strong>de</strong>finir, nasce a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer<br />
<strong>uma</strong> distinção nas formas literárias aplica<strong>da</strong>s às diversas épocas <strong>da</strong> antiga Espanha, a romano-<br />
germânica, e a mo<strong>de</strong>rna (Eurico: 286).<br />
A história, como o <strong>para</strong>digma oitocentista a percebia e fabricava, <strong>não</strong> permitia a<br />
Herculano agarrar esse homem total que perseguia, <strong>não</strong> lhe fornecia a paleta e a<br />
policromia <strong>para</strong> "pintar os homens" ( Eurico: 298) como ele os queria retratados,<br />
participando na família e na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, experimentando emoções e paixões. Por isso as<br />
interrogações suscita<strong>da</strong>s pelos documentos compulsados eram resolvi<strong>da</strong>s na ficção, <strong>para</strong><br />
"popularizar o estudo <strong>da</strong>quela parte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> pública e priva<strong>da</strong> dos séculos semibárbaros<br />
que <strong>não</strong> cabe no quadro <strong>da</strong> história social e política" (Herculano, 1992, v. 1: 4), mas "que,<br />
num romance, nós <strong>da</strong>mos como reais, porque aí é lícito fazê-lo" (i<strong>de</strong>m, v. 1: 178), sem<br />
que isso signifique trair a "ver<strong>da</strong><strong>de</strong>" <strong>da</strong>s fontes. O que ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente Herculano<br />
buscava era o "espírito dos séculos", era<br />
<strong>de</strong>sentranhar do esquecimento a poesia nacional e popular dos nossos maiores: [pois]<br />
trabalhamos por ser historiadores <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> íntima <strong>de</strong> <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong> e nobre, e generosa nação, que<br />
houve no mundo, chama<strong>da</strong> nação portuguesa, a qual ou já <strong>não</strong> vive, ou se vive, já nem ao menos<br />
tem esforço, ou virtu<strong>de</strong> <strong>para</strong> morrer sem infâmia (i<strong>de</strong>m, v. 2: 304).<br />
E o historiador <strong>não</strong> foge à ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>não</strong> escreve romance, escreve romance<br />
histórico, crónica-romance, guar<strong>da</strong>ndo <strong>para</strong> a crónica a "coisa essencial", a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> dos<br />
factos, e <strong>para</strong> o romance o "vestuário" com que enfeita a história (ibi<strong>de</strong>m). Perante tais<br />
premissas, <strong>não</strong> estranhemos que<br />
Vá aqui mais <strong>uma</strong> humil<strong>de</strong> opinião nossa. Parece-nos que nesta coisa chama<strong>da</strong> hoje<br />
romance histórico há mais história do que nos graves e inteiriçados escritos dos historiadores.<br />
Dizem as pessoas entendi<strong>da</strong>s que mais se conhecem as coisas escocesas lendo as Crónicas <strong>de</strong><br />
Canongate, <strong>de</strong> Walter Scott, do que a sua História <strong>da</strong> Escócia. Também há quem diga que no mais<br />
grado quarteirão <strong>de</strong> histórias <strong>de</strong> França, escritas até o ano <strong>de</strong> 1800, <strong>não</strong> tinha aparecido ain<strong>da</strong> a<br />
época <strong>de</strong> Luís XI como apareceu <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Notre Dame, <strong>de</strong> Victor Hugo (I<strong>de</strong>m, v. 2: 305).<br />
Herculano <strong>não</strong> necessitaria hoje <strong>da</strong> muleta do romancista, já que os <strong>para</strong>digmas <strong>da</strong><br />
mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> pós-mo<strong>de</strong>r-ni<strong>da</strong><strong>de</strong> respon<strong>de</strong>riam aos seus anseios <strong>de</strong> historiador. Mas,<br />
entretanto, muita água correu sob as pontes, muitas ciências, h<strong>uma</strong>nas e sociais,