para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro
para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro
para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
208 polissema 7 2007<br />
concorrem <strong>para</strong> a construção <strong>de</strong> <strong>uma</strong> esfera exótica <strong>para</strong>lela à <strong>da</strong> familiari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> urbe<br />
‘portuguesa’, pelo que o templo visitado por Martha no Porto Interior, e que o leitor<br />
<strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> ‘fluência cultural’ (conceito <strong>de</strong> Poyatos, 1988b:11) infere ser o <strong>de</strong> Á-Má, se<br />
encontra ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> <strong>uma</strong> ‘penumbra’ e <strong>de</strong> símbolos culturais <strong>de</strong>sconhecidos que a órfã<br />
chinesa tenta <strong>de</strong>scodificar:<br />
The black, smoky atmosphere within, the fa<strong>de</strong>d silk pen<strong>da</strong>nts and altarcloths adorned with<br />
flowers and mysterious beasts, the smoke-blackened tablets hanging from the roof, the huge<br />
bronze bell [...], the bronze censers stuck with dozens of joss sticks sending upwards their acrid,<br />
heavy-scented fumes, everything combined to utter a greeting to her which was inimical. (CBP:<br />
80).<br />
A enumeração e a adjectivação dupla dos elementos exóticos acompanham o<br />
processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta <strong>da</strong> jovem que, através <strong>de</strong> <strong>uma</strong> analepse externa, recor<strong>da</strong> o interior<br />
<strong>da</strong>s igrejas católicas que visitara na companhia <strong>de</strong> Auvray e que com<strong>para</strong> ao pago<strong>de</strong> por<br />
dissemelhança, recorrendo aos cinco sentidos <strong>para</strong> compreen<strong>de</strong>r essa nova dimensão<br />
chinesa até então <strong>de</strong>sconheci<strong>da</strong> e animiza<strong>da</strong> pelo movimento ascen<strong>de</strong>nte do fumo <strong>de</strong><br />
incenso. A percepção sensorial <strong>da</strong>s personagens é fortemente afecta<strong>da</strong> pelo ambiente<br />
circun<strong>da</strong>nte e, por esse motivo, a <strong>de</strong>scrição do templo é a mais intensa do romance,<br />
apenas comparável à atmosfera também exótica <strong>da</strong> China profun<strong>da</strong> no final <strong>da</strong> acção. As<br />
várias impressões visuais do local <strong>de</strong> culto espantam Martha, nomea<strong>da</strong>mente as mulheres<br />
com pés enfaixados, a caligrafia, a atmosfera negra e f<strong>uma</strong>renta, os pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> se<strong>da</strong> e<br />
os panos do altar com fauna e flora misteriosa, o sino <strong>de</strong> bronze, o cheiro e fumo <strong>de</strong><br />
incenso, bem como a imagem <strong>da</strong> divin<strong>da</strong><strong>de</strong> estranhamente vesti<strong>da</strong>. Após o processo <strong>de</strong><br />
dépaysement ou déplacement e através <strong>da</strong> com<strong>para</strong>ção por dissemelhança, a jovem<br />
conclui que é cristã e <strong>não</strong> chinesa, optando por viver no mundo dos oci<strong>de</strong>ntais em Macau,<br />
embora ro<strong>de</strong>a<strong>da</strong> por nativos que sempre ouvira <strong>de</strong>screver como ateus pecadores. Educa<strong>da</strong><br />
num ambiente português até aos nove anos, a órfã vê-se confronta<strong>da</strong> com <strong>uma</strong> dimensão<br />
que lhe é estranha, a <strong>da</strong> sua etnia. Se Michèle Longino (1997: 38) <strong>de</strong>fine exotismo como