09.05.2013 Views

para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro

para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro

para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

polissema 7 2007 232<br />

Exemplo <strong>de</strong>sta fina verve satírica são também, quer As Farpas, quer o volume<br />

Pela Terra Alheia sempre que se perfila a ocasião <strong>para</strong> explanar reflexões sobre a política<br />

e as relações ibéricas. Se o país vizinho lhe inspira admiração e simpatia, o olhar<br />

perscrutante do jornalista vian<strong>da</strong>nte que, por terras alheias, leva a cabo um ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro<br />

projecto <strong>de</strong> sociologia com<strong>para</strong><strong>da</strong> 19 , <strong>não</strong> <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> re<strong>para</strong>r nas contradições e partilhar <strong>de</strong><br />

<strong>uma</strong> imagem <strong>da</strong> Espanha – e <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a Península – que é a que prevalece ao longo do<br />

século XVIII e permanece ain<strong>da</strong> durante gran<strong>de</strong> parte do século XIX. A Península Ibérica<br />

em geral, e a Espanha <strong>de</strong> forma muito particular, são <strong>de</strong>scritas como um espaço<br />

retrógrado e lúgubre, abrasado nas fogueiras dos autos <strong>de</strong> fé e no fanatismo <strong>da</strong> Santa<br />

Inquisição, com paisagens <strong>de</strong>sola<strong>da</strong>s, estra<strong>da</strong>s perigosas, hospe<strong>da</strong>rias <strong>de</strong> má fama, por<br />

oposição a <strong>uma</strong> França on<strong>de</strong> floresciam os i<strong>de</strong>ais iluministas 20 e positivistas. Ramalho<br />

assinala, em vários textos, esta admiração plasma<strong>da</strong> em crítica pelo país vizinho,<br />

sobretudo quando se refere à geniali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos seus artistas 21 , embora menospreze a sua<br />

tendência metafísica e religiosa; elogia a beleza clássica <strong>da</strong>s espanholas, e mormente <strong>da</strong>s<br />

madrilenas, mas ridiculariza a sua “falta <strong>de</strong> originali<strong>da</strong><strong>de</strong>”, traço fun<strong>da</strong>mental <strong>para</strong> um<br />

romântico; sublinha a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> “horrível” do castelhano, classificando-a simultânea e<br />

19 “Os livros <strong>de</strong> viagens feitos <strong>de</strong> rigorosos inquéritos às civilizações estrangeiras constituirão então<br />

preciosos repositórios <strong>de</strong> factos observados, sugestão científica <strong>de</strong> outras tantas hipóteses sugeri<strong>da</strong>s por<br />

fenómenos análogos resultantes d’outras observações, permitirão <strong>de</strong>duzir teorias que, por seu turno<br />

contraprova<strong>da</strong>s experimentalmente, levarão talvez ao conhecimento e à <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> alg<strong>uma</strong>s leis mais<br />

positivas e mais fecun<strong>da</strong>s” (John Bull, ??)<br />

20 Veja-se, por exemplo, a com<strong>para</strong>ção que Ramalho Ortigão faz entre a França e a Península Ibérica n<strong>uma</strong><br />

<strong>da</strong>s suas Farpas: “O séc. XVIII, em Portugal tão lugubremente tenebroso <strong>de</strong> embiocamento beato, <strong>de</strong> crasso<br />

mau gosto, <strong>de</strong> nojenta hipocrisia, foi em França dos <strong>de</strong> mais brilho <strong>para</strong> a história do talento e <strong>da</strong>s artes. Da<br />

própria regência, com to<strong>da</strong> a <strong>de</strong>vassidão, diz Michelet, que através <strong>de</strong> todos os vícios e <strong>de</strong> todos os erros,<br />

ela tinha esta particulari<strong>da</strong><strong>de</strong> benéfica e simpática: - era do partido do futuro. O inimigo era o passado, era a<br />

Espanha representante <strong>da</strong> I<strong>da</strong><strong>de</strong> Média, a Espanha, abrasa<strong>da</strong> em fogueiras, a Espanha que, vitoriosa,<br />

retar<strong>da</strong>ria 100 anos a marcha <strong>da</strong> h<strong>uma</strong>ni<strong>da</strong><strong>de</strong>, porque teria queimado Montesquieu e Voltaire.” (ORTIGÃO,<br />

Ramalho, As Farpas VI – a Socie<strong>da</strong><strong>de</strong>: 216)<br />

21 “Se algum povo no mundo foi, mais particularmente do que qualquer outro, fa<strong>da</strong>do <strong>para</strong> a pintura, esse<br />

povo foi o povo espanhol. É enorme a lista dos seus gran<strong>de</strong>s artistas. E to<strong>da</strong>via, tal é a influência <strong>da</strong>s<br />

instituições sociais sobre o espírito do homem que nenhum dos célebres pintores <strong>da</strong> Espanha, a <strong>não</strong> ser<br />

Velásquez, o pintor <strong>de</strong> Filipe IV, saiu jamais <strong>da</strong> estreita especiali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> pintura sagra<strong>da</strong>, como Murillo, ou<br />

<strong>da</strong> pintura fúnebre, como Zurbaran e Ribera. Cortesãos, igreijeiros, fradistas, <strong>não</strong> souberam nunca<br />

interrogar o homem nem interpretar a natureza viva. Foi preciso que no princípio <strong>de</strong>ste século um homem<br />

<strong>de</strong> génio, Goya y Lucientes, quebrasse completamente a velha tradição, <strong>para</strong> que a Espanha começasse a ter<br />

<strong>da</strong> pintura <strong>uma</strong> compreensão h<strong>uma</strong>na”, As Farpas, p. 262.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!