09.05.2013 Views

para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro

para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro

para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

polissema 7 2007 20<br />

<strong>biográfica</strong>, <strong>de</strong>saparece por completo, nem sequer <strong>de</strong>ixando vestígios reais em<br />

correspondência. Neste caso, torna-se <strong>de</strong>sneces<strong>sá</strong>rio criar classificações como carta-<br />

ficção ou carta-poema, pois já <strong>não</strong> se tenta fazer distinções entre o que possa ser ‘real’ ou<br />

imaginário nas cartas <strong>de</strong> Sá-Carneiro, passando tudo <strong>para</strong> a área <strong>da</strong> literatura. Mas, o que<br />

mais aqui importa é evitar <strong>uma</strong> <strong>leitura</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Sá-Carneiro que recorra a<br />

elementos biográficos <strong>para</strong> a apoiar, baseando-se, em vez disso, inteiramente na própria<br />

<strong>obra</strong> e na explicação <strong>da</strong> reacção do leitor a ela. Isto significa, a meu ver, que, quanto às<br />

cartas <strong>de</strong> Sá-Carneiro, <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s duas alternativas que acabo <strong>de</strong> propor <strong>de</strong>vem <strong>de</strong> ser<br />

escolhi<strong>da</strong>s: ou <strong>uma</strong> análise literária <strong>da</strong> <strong>obra</strong> <strong>de</strong> Sá-Carneiro as ignora por completo, ou<br />

então elas <strong>de</strong>vem ser incluí<strong>da</strong>s como parte <strong>da</strong>s suas criações literárias e estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s como<br />

tal. Vejamos o que po<strong>de</strong> suce<strong>de</strong>r quando estas duas alternativas são escolhi<strong>da</strong>s na<br />

avaliação <strong>da</strong>s cartas.<br />

Martins refere-se a <strong>uma</strong> ‘carta-poema culminante <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1916’ on<strong>de</strong> ‘vem<br />

incluí<strong>da</strong> “<strong>uma</strong> poesia (...) género Inegualavel”’ (p. 272), poema que contém <strong>uma</strong> personagem<br />

feminina. Adiante, Martins revela que existem ‘noutros momentos <strong>da</strong>s cartas finais,<br />

elementos que permitem i<strong>de</strong>ntificar essa “personagem feminina” como ‘prostituta’ (pp.<br />

272-3), mas é aqui que po<strong>de</strong>mos constatar um exemplo <strong>da</strong> dupla e simultânea<br />

categorização <strong>da</strong>s cartas como <strong>obra</strong> literária e produto biográfico. A proposta que a<br />

personagem feminina (criação literária) seja <strong>uma</strong> prostituta basei a-se em elementos<br />

colhidos <strong>de</strong> trechos <strong>de</strong> outras cartas que são consi<strong>de</strong>rados como <strong>da</strong>dos biográficos e já<br />

<strong>não</strong> como criações <strong>da</strong> imaginação <strong>de</strong> Sá-Carneiro. No entanto, Martins acha importante<br />

negar que ele <strong>não</strong> está cruzando a biografia com a literatura:<br />

Sublinho que <strong>não</strong> é, neste caso, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> subordinação <strong>da</strong> linha textual à linha <strong>biográfica</strong><br />

que se trata, nem sequer <strong>de</strong> <strong>uma</strong> com<strong>para</strong>ção ou compatibilização entre as duas linhas. É aqui<br />

questão, apenas, <strong>de</strong> um modo <strong>de</strong> funcionamento textual: Sá-Carneiro escolhe o poema como o<br />

medium mais eficaz <strong>para</strong> a imagem ama<strong>da</strong>. Nenh<strong>uma</strong> fotografia po<strong>de</strong> conter o que este poema<br />

diz, pois ele diz tudo aquilo que <strong>uma</strong> fotografia seria capaz <strong>de</strong> conter mais a energia que liga o<br />

fotógrafo à fotografa<strong>da</strong> (p. 273).

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!