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para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro

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282 polissema 7 2007<br />

palavras, um autor e <strong>uma</strong> <strong>obra</strong>, mais ain<strong>da</strong> do que a personagem oficial ou o<br />

homem <strong>de</strong> Estado que, pela natureza <strong>da</strong>s suas responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s políticas, manteve<br />

relações com os seus homólogos portugueses.<br />

“Uma gota <strong>de</strong> sangue português…”<br />

Para provar a sua mestiçagem biológica senegalo-portuguesa, Senghor apresentou<br />

frequentemente <strong>uma</strong> prova patronímica, se assim po<strong>de</strong>mos dizer (apesar <strong>de</strong> numerosos<br />

historiadores <strong>da</strong> África Oci<strong>de</strong>ntal recusarem esse argumento). Essa mestiçagem, escreve<br />

ele, é “prova<strong>da</strong> por Senghor, o meu nome <strong>de</strong> família, que vem do português senhor, e pelo nome<br />

<strong>da</strong> minha ci<strong>da</strong><strong>de</strong> natal, Joal, que em Portugal é um apelido.” 1<br />

Nascido efectivamente em Joal, na “Petite côte”, cerca <strong>de</strong> cento e vinte<br />

quilómetros a sul <strong>de</strong> Dacar, pertence a <strong>uma</strong> região, o Sine, e a <strong>uma</strong> etnia, os Sereres, que<br />

se relacionaram com os navegadores portugueses logo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os seus primeiros contactos<br />

com a África negra. Num poema <strong>da</strong> <strong>obra</strong> Lettres d’hivernage, a enumeração dos<br />

“esplêndidos nomes dos fortes brancos” construídos pelos portugueses inspira um<br />

sentimento <strong>de</strong> nostalgia em que a “doçura” e o“fervor” acabam por abolir o tempo e o<br />

espaço:<br />

“Je pense à toi. Popenguine Rufisque et Toubab-Dyalaw,<br />

Joal Portu<strong>da</strong>l Palmarin (…)<br />

Mon nom qui songe, la goutte <strong>de</strong> sang portugais, haïe chérie,<br />

Oh! Qui <strong>da</strong>nse les vieilles sau<strong>da</strong><strong>de</strong>s (…)<br />

Sau<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>s temps anciens, et la brise était fraîche et l’hivernage humi<strong>de</strong>(…)” 2<br />

“A presença africana”, <strong>para</strong> retomar <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s suas imagens, na qual Senghor<br />

mergulha <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimento, é portanto também <strong>uma</strong> presença portuguesa. O cenário <strong>de</strong><br />

“reino <strong>da</strong> Infância” transporta marcas e memória <strong>da</strong> “epopeia lusitana”. Durante a sua<br />

viagem <strong>de</strong> 1955 a Portugal, que inspirou o poema “Élégie <strong>de</strong>s Sau<strong>da</strong><strong>de</strong>s” (publicado em<br />

1961 em Nocturnes), Senghor viveu extasiado a sua visita à Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra<br />

1 Carta <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1991 a Janet VAILLANT, ibid.<br />

2 “Sur la plage bercée”, OP, p. 238.

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