para uma leitura não-biográfica da obra de mário de sá-carneiro
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polissema 7 2007 225<br />
ou Teófilo <strong>de</strong> Braga. O próprio Ramalho <strong>não</strong> seria alheio a esta secun<strong>da</strong>rização, quando<br />
afirma mo<strong>de</strong>sta, porém luci<strong>da</strong>mente, “o único inútil <strong>da</strong> falange sou talvez eu, que em vez<br />
<strong>de</strong> <strong>uma</strong> acura<strong>da</strong> monografia estou aqui fazendo um índice <strong>de</strong> assuntos que só<br />
<strong>de</strong>vi<strong>da</strong>mente trataria se <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> <strong>uma</strong> <strong>de</strong>stas páginas tirasse um livro”. 1<br />
Ora, o que esta afirmação sobreleva, <strong>para</strong> além do menosprezo pelas suas<br />
capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, quando confronta<strong>da</strong>s com as dos seus colegas, é igualmente algo que<br />
sempre relevou do trabalho do escritor <strong>da</strong>s Farpas: a sua manifesta i<strong>de</strong>ntificação com o<br />
carácter enciclopedista e cientifista do ofício <strong>da</strong> escrita.<br />
O espírito crítico e a curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> do periodista português fizeram-no <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre<br />
almejar um conhecimento amplo e rigoroso <strong>da</strong>s diversas e distintas áreas científicas. O<br />
seu peculiar sentido prático, o gosto pela inventariação, pelo tecnicismo mais refinado só<br />
apurarão a sua necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimento. Ramalho “periodista <strong>de</strong> profissão, mau<br />
literato, mas mais literato do que outra coisa, contente do seu ofício, alegre <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>,<br />
orgulhoso <strong>da</strong> sua in<strong>de</strong>pendência” 2 , acredita que o homem <strong>de</strong> letras <strong>de</strong>ve saber um pouco<br />
<strong>de</strong> tudo “percorrer to<strong>da</strong>s as várias províncias do saber h<strong>uma</strong>no, mas percorrê-las com<br />
as pernas <strong>para</strong> o ar, an<strong>da</strong>ndo nas mãos, <strong>da</strong>ndo opiniões e <strong>da</strong>ndo guinchos, <strong>sá</strong>bio<br />
arlequim, sacerdote e polichinelo” 3 . Estas acrobacias materializam a profun<strong>da</strong> convicção<br />
<strong>de</strong> que o escritor oitocentista precisa “<strong>de</strong> conhecer ao mesmo tempo tudo: os fenómenos<br />
do sistema nervoso e os fenómenos <strong>da</strong> terra, <strong>da</strong> atmosfera e do mar; (…) a evolução <strong>da</strong><br />
matéria e a evolução do espírito” 4 .<br />
Jornalismo, Literatura, História, Geografia, enfim, Ramalho Ortigão – periodista,<br />
contente <strong>da</strong> sua profissão – dribla inúmeras temáticas, intensifica e diversifica atenções a<br />
domínios tão variados como a literatura e a arte, a religião, a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, a educação, a<br />
política, a administração e a economia, as viagens. E na encruzilha<strong>da</strong> <strong>de</strong>stes te<strong>mário</strong>s, a<br />
1<br />
Cit. Por Rodrigues Cavalheiro, A Evolução Espiritual <strong>de</strong> Ramalho, Livraria Clássica Editora, Lisboa,<br />
1962, p. 201<br />
2<br />
ORTIGÃO, Ramalho, Prefácio Em Paris, Lisboa, Clássica Editora, 1958, p. 7<br />
3<br />
ORTIGÃO, Ramalho, As Farpas III, Clássica Editora, 1988, p. 274<br />
4 I<strong>de</strong>m, p. 269