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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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cimento da vida política (a polis) ou da vida civil (a civitas), recorre-se à<br />

cultura em desespero de causa...<br />

É o que acontece agora: espera-se que a cultura mantenha o tecido<br />

social, a (rala) trama ideológica restante — ausência que não deixará<br />

saudade — e a (débil) costura econômica. Pensando no caso brasileiro,<br />

depois de ter servido como instrumento de integração nacional sob a<br />

ideologia da ditadura militar entre 1964 e 1984, a grande palavra de<br />

ordem para a cultura agora, nestes anos de 2003 e 2004, é inclusão<br />

social, da qual a cultura surge como veículo aparentemente e<br />

forçadamente privilegiado (uma vez que da economia ou do<br />

planejamento econômico neste momento pouco se pode esperar nesse<br />

sentido). “Inclusão social” vem junto com a propaganda nacionalista da<br />

identidade, como traduzida na fórmula “O melhor do Brasil é o brasileiro”<br />

que repete outras de análogo teor geradas por aquela mesma ditadura.<br />

E assim, de um momento histórico em que a cultura era sobretudo um<br />

campo de conflito (até o final da segunda guerra mundial e, depois,<br />

remanescentemente, até o final da guerra fria), e de um outro momento<br />

(mais breve no século 20) quando a cultura foi vista como instrumento<br />

ocasional e descompromissado de desenvolvimento espiritual aleatório<br />

— complementar ou suplementar de outros desenvolvimentos —,<br />

passou-se a uma etapa em que a cultura é considerada, de modo geral,<br />

apenas em sua positividade social. A cultura tudo pode, e tudo pode<br />

de bom no e para “o social”: a cultura combateria a violência no interior<br />

da sociedade e promoveria o desenvolvimento econômico (a cultura<br />

“dá trabalho”, como se insiste em lembrar neste momento), portanto a<br />

cultura seria a mola predileta da inclusão social e do preparo do bom<br />

cidadão para o desenvolvimento do país.<br />

O que de fato se observa hoje é um grande processo de domesticação<br />

da cultura, de certa forma ainda mais perverso que aquele movido pela<br />

transformação da cultura em arma de combate ideológico. Mais<br />

perverso porque o recurso à ideologia deixa pelo menos a porta aberta,<br />

muitas vezes, para algum cinismo (“sei que a coisa não é assim mas<br />

faço de conta que é assim”) ou, em todo caso, para o oponente<br />

ideológico (que tem de existir e cuja presença é reconhecida e reforçada<br />

mesmo porque, sem ele, a ideologia B, digamos, a ideologia que se<br />

quer <strong>def</strong>ender em oposição à ideologia A, não subsistirá). O atual<br />

processo de domesticação vai mais fundo porque a cultura não é<br />

confrontada com nenhum oposto, portanto nenhum confronto se<br />

opera entre seu alegado princípio interior e algo que o contrarie, e<br />

nenhuma brecha parece esboçar-se ou pode ser denunciada na<br />

carapaça de monolítica positividade que lhe é atribuída. O único inimigo<br />

10 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>

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