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exemplo, a identidade nacional) e constrói-se o todo. Uma vez<br />
construído o todo, a única coisa que se pode fazer é repeti-lo ad eternum<br />
ou ad nauseam. De seu lado, a arte nada descobre: inventa: a invenção<br />
é uma convenção (um símbolo) que em seguida sai em busca de um<br />
referente concreto eventual que se lhe acomode (um personagem<br />
em busca de seu princípio causador; uma pintura abstrata em busca<br />
do que possa ser). Para a invenção, a desconstrução é instrumental:<br />
para inventar algo, primeiro é preciso desconstruir alguma coisa<br />
existente. A descoberta é um dado, a arte jamais é um dado: é um<br />
criado: nem um dado nem uma série de dados jamais produzirão<br />
arte: arte é chance & choice, acaso & escolha, aleatoriedade e<br />
convenção. Sendo desconstrução, a arte é uma interrupção: uma<br />
interrupção em algum processo anterior. Sendo a invenção seu<br />
princípio, a arte não pode repetir-se: o princípio de validação da<br />
ciência é a repetibilidade, a reprodutibilidade da experiência; o<br />
princípio de validação do cultural também é a repetibilidade: se<br />
posso repetir alguma coisa, sei que estou lidando com o cultural (a<br />
cultura de uma arte pode sepultar a arte: a cultura da ópera sepulta<br />
a arte da ópera). A arte não se pode repetir: se for reprodutível, não<br />
vale como arte (Jorge Luis Borges: “a questão não está em imitar<br />
alguém, a questão é ser inimitável”). Por ser irreprodutível a arte é<br />
falsificável: como a cultura é reprodutível (um desfile de escola de samba<br />
de São Paulo é na essência idêntico a um desfile de escola de samba do<br />
Rio: um desfile de escola de samba do Rio é na essência idêntico a outro<br />
desfile de escola de samba do Rio: um desfile de escola de samba do Rio<br />
em 2004 é na essência idêntico a um desfile de escola de samba do Rio<br />
de 2000; a diferença é de grau, não de substância) nenhuma de suas<br />
cópias é falsa: todas cumprem a mesma função (todos e cada um dos<br />
carnavais funcionam, mesmo sendo iguais entre si: funcionam porque<br />
iguais). A reprodução tal qual em arte (a cópia idêntica de uma pintura)<br />
não tem sentido (aquilo para o que uma coisa foi feita); fazer uma obra<br />
nova à maneira de um artista pode “funcionar” enquanto não se<br />
descobre a simulação: a descoberta da real autoria destrói a simulação<br />
enquanto sistema. A reprodução de um cultural não destrói nem o<br />
simulacro que é essa cópia nem o original, nem o sistema em que se<br />
inclui. A cultura não destrói nunca, a cultura conserva. Não existe cultura<br />
revolucionária.<br />
Essa é a representação que o cultural se faz de si mesmo: essa, a<br />
ideologia do cultural: o cultural como descoberta, como achamento da<br />
coisa em si. Em realidade, o cultural é ele também uma invenção, não<br />
uma descoberta: o vínculo entre a representação do cultural e seu<br />
136 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>