10.05.2013 Views

A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Estado? Do ponto de vista quantitativo, nas atuais circunstâncias, e<br />

sob o ângulo do conteúdo, a resposta é não. As singularidades são<br />

legião 45 , os recursos mostram-se ínfimos e critérios justos para decidir<br />

quais singularidades contemplar inexistem e não podem ser<br />

formulados. Diante dessa impossibilidade, a opção pela política do<br />

coletivo, do geral, não apenas é conservadora, reacionária ou sectária,<br />

por contrariar toda a tendência contemporânea, como irrelevante e,<br />

ao final, inútil.<br />

Diante das singularidades múltiplas constituídas por essa<br />

subjetividade de vocação internacionalista, as únicas políticas culturais<br />

agora possíveis são as formalistas, isto é, as que não se ocupam do<br />

conteúdo, as que não apoiam um programa específico de valores,<br />

abrindo-se apenas para a implementação dos recursos que permitem<br />

aos conjuntos de singularidades inventarem seus fins. 46 Não se trata<br />

sequer de falar em recursos para que os conjuntos de singularidades<br />

alcancem seus fins, uma vez que não há fins a serem alcançados: apenas<br />

fins a serem inventados. Sob esse prisma, não há como minimizar ou<br />

ocultar o fato de que a aprovação das leis de incentivo fiscal, nos últimos<br />

instantes da ditadura ou nos primeiros da nascente democracia incerta<br />

e possível, constituía-se não apenas numa conquista da sociedade civil<br />

cansada da intromissão do Estado na cultura como na materialização<br />

de um dos formatos das políticas culturais formalistas. Como a memória<br />

curta é um fato, ouve-se com frequência hoje que o Estado se oculta<br />

atrás das leis de incentivo para justificar sua inação na cultura. Não foi<br />

assim. A criação das leis de incentivo fiscal à cultura, a serem<br />

operacionalizadas pela sociedade civil, correspondeu a um esgotamento<br />

do modelo de intervenção do Estado na cultura, um Estado que não<br />

demonstrava vontade de admitir certas possibilidades de conteúdo<br />

cultural ou que decidia e decide discricionariamente sobre a<br />

conveniência e oportunidade de aplicação das magras verbas previstas<br />

no orçamento. Esse poder discricionário tem um nome burocrático:<br />

contingenciamento do orçamento. Em outras palavras, mesmo o pouco<br />

que o Estado, e o Estado brasileiro, destina à cultura pode ser suspenso<br />

in<strong>def</strong>inidamente e eliminado discricionariamente conforme sua decisão<br />

sobre a conveniência ou não de se proceder ao que ainda é chamado<br />

45 Walt Whitman reivindicava que não era um mas que, pelo contrário, continha em si uma<br />

multidão, ideia que a seu modo Mário de Andrade repetiria.<br />

46 Em Usos da cultura, um livro de 1986 (Paz e Terra), eu já identificava práticas correntes de<br />

políticas culturais formalistas, como as aplicadas na Inglaterra em relação a centros de<br />

cultura que hoje se diriam “terceirizados” mas que eram, em outras palavras, o<br />

reconhecimento do papel da sociedade civil no processo cultural, subsidiada pelo<br />

Estado.<br />

UMA <strong>CULTURA</strong> PARA O SÉCULO 81<br />

UMA POLÍTICA<br />

<strong>CULTURA</strong>L<br />

FORMALISTA

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!