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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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destruição da história da humanidade. Aquele momento histórico, de<br />

Guerra Fria e de guerra bem quente no Vietnã, era o momento do<br />

“complexo industrial-militar”, expressão acertada da qual no entanto<br />

um componente deveria deixar de aparecer em filigrana para assumir<br />

o lugar que lhe cabe sob os holofotes: o Estado, perfazendo assim o<br />

“complexo estatal-industrial-militar”, como fica outra vez claro nestes<br />

tempos de George W. Bush, Dick Cheney, Iraque e a empresa-polvo<br />

Halliburton. Não haveria complexo industrial-militar sem o Estado e<br />

era contra o Estado, tanto quanto contra o Mercado mas ainda mais<br />

fortemente contra o Estado porque era e é o Estado o instrumento do<br />

Mercado 37 , que a sociedade civil em sua forma contemporânea emergia<br />

há três décadas. É esse o momento simbólico que marca o instante em<br />

que se começou, em que cada um de nós começou a romper, apenas<br />

começou a romper ou pelo menos a arranhar, o mais forte obstáculo<br />

epistemológico enfrentado pela sociedade na busca de si mesma: a<br />

ideia de que a sociedade existe para o Estado, que o Estado é o centro<br />

de tudo e que nada se pode fazer fora dele, inclusive, o que seria cômico<br />

se não fosse trágico, quando o alvo a atingir for o mercado. Fora da<br />

Igreja não há salvação, se dizia antes. Fora do Estado não há salvação,<br />

ainda se insiste agora. Não é assim, e o Greenpeace foi o primeiro sinal<br />

nessa direção.<br />

Isto coloca em evidência que nutro alguma esperança utópica —<br />

os espanhóis dizem isso de um modo para nós, luso-parlantes, muito<br />

expressivo: “tengo mucha ilusión, estoy muy ilusionado” —, senão no<br />

desaparecimento total do Estado (isso seria demasiada ilusão),<br />

certamente na sua redução à mais contida das expressões de modo a<br />

permitir à sociedade civil todo o espaço de florescimento que por direito<br />

é seu. E é assim que toda vez que em seminários e simpósios ouço dizer<br />

que precisamos de mais Estado e de Estados mais fortes, ergo-me para<br />

lembrar que Estados fortes sempre foram parte do problema e não da<br />

solução, e que aquilo de que precisamos é, sim, de mais sociedade civil<br />

forte. Não quero <strong>def</strong>ender a tese do fim do Estado, como aconteceu no<br />

início da história da ex-URSS quando um partido afirmou querer tomar<br />

o poder apenas para acabar com ele quando seu único objetivo era<br />

tomar o poder para exercê-lo na desmedida de suas possibilidades e<br />

nele permanecer. Esta é a mais plana evidência sociopolítica: não se<br />

toma o poder a não ser para exercê-lo. O que caberia perguntar é por<br />

que as pessoas obedecem, pergunta que também intrigou Pierre Clastres...<br />

É o exercício do poder, traduzido na polaridade ordem-obediência, que<br />

37 Em O direito à Cidade, de 1967 (São Paulo: Ed. Documentos, 1969), Henri Lefèbvre mostrava<br />

como o Estado se une à iniciativa privada para destruir a cidade.<br />

72 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>

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